domingo, 24 de junho de 2012

Carta aberta a um Pedro - Autor: Fernando Florêncio


Chegou às minhas mãos o livro que conta a história de um Pedro. Pedro este que entre tantos e quantos outros Pedros que o nosso árido sertão produz, foi e é especial.
Li pausadamente. Li e reli algumas situações para poder entender e identificar  a empatia nascente entre o que lia e o que um dia vivi e posteriormente eternizei em um livrinho.Degustei-o a conta – gotas, pausadamente, tal como se degusta um Royal Salute 24 anos. Um “scotch” raro com pena que acabe.
A este Pedro, também podemos chamar de José dos Santos Gonçalves, ou Zé das Máquinas, como queiram. Todos os nomes levam ao mesmo homem.
Da infância e adolescência, passando pelo Acabador de Festas, Alistamento Militar, Sentando Praça, Dando Baixa e Rasgando Pano, tudo isto leva a uma analogia da minha infância em Custódia e adolescência no mundo a fora.
Como casado, teoricamente responsável, as portas começam a se abrir para o Zé. Porquanto   como soldado reformado, teve seu crédito escancarado e ilimitado nas lojas da cidade. Igualmente, somente quando casado, tive as portas abertas aos bons empregos.
Observei que o nosso Zé sempre foi um empreendedor. Um lutador daqueles que não desistem nunca.
Diferentemente, eu nasci para cuidar do patrimônio alheio. Em suma:
Nasci para ser empregado. Também não lembro que tenha tido alguma chance de me tornar um empreendedor. Os bons empregos iam aparecendo e fui ficando. Ao contrário do Zé das Máquinas. Era pedreira em cima de pedreira, que não deixavam o soldado de carreira curta sequer  respirar.
A viagem do Zé para São Paulo, teve  tudo a ver com a viagem da minha família para o Rio de Janeiro. Sem tirar nem por. Carroceria de caminhão, fome e sede na estrada além do suborno aos guardas federais.
A discriminação por ser “cabeça chata” também foi feroz no sul maravilha.
O progresso financeiro das pessoas incomoda os incompetentes e mortos de espírito. Zé foi bom em tudo que fez. A compra fora de hora (com a loja de peças fechada) do rolamento da transmissão do velho Studebaker, o “leriado” em cima dos guardas na estrada, as “carteiradas” de Soldado de “puliça” demonstrando que já fora e continuava sendo autoridade, dadas como se fossem (e foram) um abre portas, a chegada e o progresso do feirante na grande cidade são dignos de um registro à parte por conta de homem reto e puro. Tão puro que não identificou a quebradeira da barraca de feira por um parente imposta pela não adaptação da esposa àquela cidade. Tão ingênuo que só identificou por que não vendia suas máquinas, quando soube que seu fornecedor, em nítido ato de  safadeza, as vendia mais baratas e ainda lhe tomava os fregueses.
Por último, o acerto na Sorte Grande seguido da derrocada por ter sido sempre bom pros amigos.
Necessitado, ouvi de um gerente de banco:
-Quando o seu parente mais próximo, seu amigo mais leal, seu irmão do coração ou mesmo seu pai (se morto for) sair do túmulo e lhe pedir:
1) Para ser avalista de alguma coisa,
2) Uma folha de cheque emprestada,
3) Fazer uma comprinha com seu cartão de crédito e...
4) Pedir um dinheirinho para pagar depois...
Negue sempre. Aprenda a sair pela tangente. Nunca faça este tipo de gentileza, principalmente se souberem que você teve um golpe de sorte e ganhou “algum” extra.
O que pode acontecer, se você não fizer nenhum daqueles favores:
a) Perder o amigo. Mas amizade é coisa que se perde e se recupera com o tempo que se encarrega de trazê-la de volta.
b) Já se você tem o coração mole e accede a algum daqueles favores, com certeza perde o amigo e o dinheiro que nunca mais voltarão. Nem um nem outro. O amigo ao encontrar com você, muda  de calçada e finge que não lhe viu.
c) Ainda, se mandar cobrar o fica aborrecido e melindrado.
Somente quem lhe põe em “saia justa” são os amigos.
Vendo pelo olho da insensibilidade do sistema financeiro, nada mais correto.
Assim meu caro Pedro (ou Zé), recomendo esta sua biografia excelentemente narrada e colocada à disposição dos leitores pelo seu filho Carlos Alberto, apresentada de forma lúcida e lírica pela Celêdian  Assis, lá de “Belzonte”. Serve para que muitos de nós assimilem que rapadura é doce mas não é mole.
A SAGA DE UM PEDRO. Um livro recheado de situações extremas, algumas sérias outras hilárias, mas resplandecendo sempre a coragem e o destemor do nordestino. As situações esbanjam exemplos de fibra, obsessão destemor e vontade de mostrar que antes de ser forte, é nordestino.
Pena que aos noventa e alguns anos seu Zé das Máquinas não tenha mais tempo de aprender que:
QUEM  REFRESCA “BUM BUM” DE PATO É LAGOA.

Fernando Florêncio
Ilheus/Bahia

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Criador X Criatura - Autor: Ciro Fonseca

No momento estou lendo um livro de Stephen King, chamado “LOVE”, este livro tem nada mais nada menos que 542 páginas. E eu fico a pensar de onde o autor consegue tirar tanta inspiração. Quanto tempo, quanto suor imaginativo, o escritor deve ter despendido até considerar a sua obra criativa como terminada.

Tem gente que ainda acha que escrever é coisa de preguiçoso, de quem não tem nada mais produtivo para fazer. É claro que eu estou falando de escritores consagrados, aqueles que debruçam em cima de um texto e só sossegam depois que eles criem corpo e alma. A minha pequena experiência a respeito do exaustivo desafio de escrever, é que a relação entre o sujeito e o texto, nem sempre é amistosa, muito pelo contrário, aqueles que pensam que escrever é um ato rotineiro, e não implica num enorme esforço para encontrar a inspiração.

É um verdadeiro trabalho braçal para desenvolver as ideias e aprimorar o texto. É preciso ir fundo em si mesmo, encontrando meio e modos de colocar no papel, desculpem no computador, as suas verdades e observações próprias. Escrever é uma forma de meditar, de exercitar o pensamento, deixar que ele flua livremente pelos recônditos mais íntimos de sua mente. Quem deseja escrever não deve pensar no sucesso e sim nas pessoas com quem seu texto vai se identificar, muitos ou poucos, não importa.

Existem algumas situações em que o texto em construção fica sob absoluto controle, como se a gente dissesse, olhe aqui, quem manda em você sou eu! Você vai fazer aquilo que eu te ordenar, mas nem sempre isso acontece, às vezes, o texto fica insubordinado, assume ares de pura arrogância e ganha alma própria, e se nega a entregar-se ao seu controle. Vez ou outra eu tenho vivido com esse constrangimento aqui em casa. O meu computador é testemunha muda desta humilhante situação, e para provar o que eu digo, existem nele vários textos rebeldes, incompletos, que fincaram pé e se negaram a serem concluídos e ficaram no meio do caminho, numa pasta de minha máquina, que eu chamo de incubadora.

Apesar dos pesares, escrever é um ato de entrega, é a arte de dar forma ao que se agita no limbo de sua mente criativa, é o fluir boêmio de pensamentos e ideias.

“E como já dizia o nosso Arthur da Távola: “Escrever bem, não é repetir o que já foi escrito: é servir-se do que já foi dito para dizer pela primeira vez. É surpreender o lugar comum como a um inimigo e libertar a verdade que lá jazia, prisioneira da repetição. É ser novo e inaugural no que é velho e comum ao ser”.

Fico satisfeito quando alguém se atreve a ler as bobagens que eu costumo escrever (e talvez por pura educação), as elogia. Muitas vezes eu acerto, e o texto sai completo e toma vida própria, como um filho. Mas, paciência, por que...

Um dia é do escritor e outro é do texto.


Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

Blog do autor: http://cirofons.blogspot.com/
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=98617
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail em 28/11/2011

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Quando foi a última vez que você viu seu pai? Autora: Anabailune

Assisti, novamente, a este maravilhoso filme, estrelado por Colin Firth - meu ator predileto. Ele conta a história de um filho que retorna ao lar, a fim de assistir ao pai - que sofre de cancer de intestino em fase terminal. Ele redescobre e reavalia seu relacionamento com o pai durante vários momentos de suas vidas , na infância, adolescência e fase adulta. Percebe o quanto os julgamentos que fazia sobre o pai, muitas vezes, obscureceu-lhes o relacionamento. Lembra-se das vezes em que saíram juntos para acampar, dos piqueniques e jantares de família nos quais sentia-se ofuscado pelo brilhantismo do pai, e pela necessidade deste (quase doentia) de estar sempre em evidência e parecer simpático.
Descobre até que tem uma irmã, fruto de um caso amoroso do pai com uma prima de sua mãe, que durou muitos anos.

O filme é muito honesto, até o ponto no qual, durante uma conversa com uma namorada, ele admite que odeia seu pai (quem nunca odiou, nem que fosse por apenas um segundo, o pai ou a mãe, que atire a primeira pedra).

O filme tem cenas lindas e emocionantes, até o ponto de, sem perceber, você se ver chorando enquanto assiste. No final, o que fica, o que realmente permanece da relação dos dois, é o amor. O grande amor que o pai sentia por ele, e ele, pelo pai. Um amor percebido, talvez, um pouco tarde em sua vida, mas nunca tarde demais. A cena mais tocante, em minha opinião, é justamente a última:

Ele está só no jardim da casa, após a família espalhar ali as cinzas do pai. E de repente, ele pensa: "Quando foi a última vez que você viu seu pai?' Não durante a doença, que o transformava e desfigurava a cada dia, mas a última vez em que esteve com ele e ele ainda era ele mesmo. E então, lembra-se de uma cena na qual os dois, juntos, instalavam um lustre na sala de estar. Uma cena corriqueira, mas marcante, pois fora a última vez em que o vira com saúde.
Daí, ele recorda o dia em que despediu-se dele para ir estudar em outra cidade. O abraço, antes de ir. E a cena vai mudando, e o menino que abraçava o pai, transforma-se no homem que ele é então, e a cena dos dois abraçados em uma despedida final, é simplesmente maravilhosa.

Fez-me lembrar da última vez em que eu vi meu pai: eu estava em meu horário de almoço, sentada à mesa da cozinha. Minha mãe terminava alguma coisa no fogão. Ele chegou, colocou sobre o armário um pacote de biscoitos - estava muito animado naquele dia - e sentou-se para almoçar. Dizia que, após o almoço, estaria jogando cartas na casa de uns amigos vizinhos. Eles sempre jogavam juntos. Lembro-me que, naquele dia, olhei para ele realmente, pela primeira vez em muito tempo. O que ficou mais marcado em minha memória, foi sua mão segurando o garfo. E depois, ao terminar, ele disse algumas coisas das quais não me lembro e despediu-se. A porta fechando-se atrás dele, disso eu me lembro. Naquela tarde,depois de algumas horas apenas, ele teve um derrame e morreu.

Aquela foi a última vez em que vi meu pai.

Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ

Blog da autora: http://ana-bailune.blogspot.com.br/

Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
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Publicação autorizada através de e-mail de 01/06/2012