domingo, 8 de julho de 2012

O Feiticeiro - Dias Índios (X) - Autor: Professor Wanderley Dantas

O ensaio da grande festa já durava um pouco mais de uma hora. Repentinamente, todos os homens saíram correndo em direção a um ponto da floresta. As mulheres não foram, e voltaram rapidamente às casas. Percebi o rosto assustado delas. Olhei o lugar para onde os homens estavam correndo. Notei no meio da mata a figura de um indígena. Era por causa dele toda aquela agitação. Olhei os jovens correndo em disparada até aquela figura parada no meio da mata. Mais uma vez, olhei o lugar em que havia visto o tal indígena, mas ele já não estava mais lá. Os jovens ainda entraram na mata, contudo retornaram de cabeça baixa sem encontrá-lo também.


 
Quando o cacique voltou, conversamos:
 
-O que houve? - perguntei.
 
-Apareceu um feiticeiro... - disse-me assustado.
 
-E o que ele faz?
 
-Por isso eu não deixo sua roupa pendurada no varal, Professor –explicou-me o cacique – Os feiticeiros podem vir de noite e fazer alguma maldade. Colocam alguma coisa na sua roupa e você ficará muito doente em três dias. Eu não saio de noite. Os feiticeiros ficam escondidos por aí e podem me lançar algum veneno e eu morro.
 
-Aquele feiticeiro se escondeu na mata?
 
-Não. Ele foi embora.
 
-Para onde?
 
-Pra aldeia dele... Vocês não tem avião? - tentou explicar-me o cacique - O branco tem avião quando quer viajar de uma cidade para outra, mas demora, não é? Os feiticeiros são muito mais rápidos do que o avião de vocês.
 
Naquele momento, creio que não consegui esconder o meu fascínio com aquela história. Que comparação! O feiticeiro era mais rápido do que o avião!
 
-Por isso não o acharam?
 
-Os feiticeiros tem uma capa. Eles colocam essa capa de onça sobre eles e, na hora, eles estão na aldeia deles. Eles colocam de novo a capa e somem, já estão na cidade. Ele vem e deixa capa escondida na mata. Vem e lança feitiço. Volta pra mata, coloca a capa e, na hora, já está na aldeia dele. O feiticeiro vem fazer mal. Ele usa veneno e os índios morrem. Eu não sei se aqui tem feiticeiro, na nossa aldeia, eu não sei. Ninguém sabe, só o pajé. O pajé dorme e sonha. Ele vê quem é o feiticeiro.
 
-E aí? Se o feiticeiro mata, o que vocês fazem quando descobrem quem é o feiticeiro?
 
-O meu irmão e o meu neto foram mortos por um feiticeiro, eu sei. O pajé daqui já nos mostrou quem é o feiticeiro e ele está lá na outra aldeia, mas o feiticeiro já morou aqui há muitos anos.
 
Eu sabia de quem ele estava falando. Havia um índio que passara por Brasília alguns anos atrás. Parece que houve algum contato entre ele e algum grupo carismático, pois ele voltou de Brasília curando as pessoas em nome de “Jesus, Maria e José”. Os indígenas daqui falam que já viram este índio feiticeiro andar sobre as águas! Na primeira vez que estivemos na aldeia, em 2007, o feiticeiro já não morava mais ali, mas a casa em que ficamos era a casa que ele morava antes de sair da aldeia. Ele se indispôs com a comunidade e foi expulso pelo povo. Naquela época, depois que saiu da aldeia, ele estava fazendo “sessões de cura” na cidade. Mas, depois, ele foi morar na aldeia maior. Até agora. Já fugiu de lá também. Aconteceram muitas mortes e vários indígenas atribuíram a ele essas mortes.
 
Nestes dias, aqui na cidade, eu estava dando carona a um indígena e então começamos a conversar sobre esse feiticeiro.
 
-Ele foi para onde?
 
-Professor, ninguém quer ele mais. Ele faz só maldade. Ele fica envenenando. Fica matando. Ele é muito poderoso. Agora, ele está escondido na mata. Ele fugiu. Ele sabe que nós estamos só esperando passar essas festas... Ele sabe que vai morrer. Já mandaram matar. Nós vamos matar. Meu filho é pajé. Ele viu. Ele sabe quem é o feiticeiro. Os pajés sabem quem são os feiticeiros. Eles fumam para ver. Eles veem os espíritos dos animais. Os pajés veem. Só os pajés podem nos salvar dos feiticeiros. Mas agora o meu filho, que também é pajé, está muito doente. O feiticeiro está dando choque nele. Está doendo muito no meu filho. Eu tenho que levá-lo num pajé mais poderoso, para ele não morrer...
 
Publicação autorizada pelo autor em 28/08/2012


 

3 comentários:

Ana Bailune disse...

Um conto assombroso... mas, ainda mais perigoso que o feiticeiro índio, é o homem branco. Este, mata por atacado.

Wanderley Dantas disse...

Ana, você está certa. Penso da mesma maneira que você quando vejo pessoas escandalizadas com o fato de no Brasil tantas culturas indígenas praticarem o infanticídio. Assim que as crianças nascem, se elas são filhas de mães solteiras, se são gêmeos ou possuem alguma deficiência, elas logo são enterradas vivas. Contudo, quando alguém arregala os olhos para essa triste realidade, eu sempre chamo a atenção para o fato de que, se eles praticam o infanticídio, nós praticamos o terrível aborto - às vezes, nós somos míopes para nossos próprios crimes! Abraços!

drica-carpediem.blogspot.com disse...

Ahhhh! Pelo que entendo e apreendi: cultura envolve esforços coletivos pelo aprimoramento/desenvolvimento de valores espirituais e/ou materiais, para ser bem simplista...hummm! Nāo enxergo isso em práticas de exclusōes individualistas, machistas, feministas, istas...ou por imposiçäo do poder pelo poder...quanto à miopia acredito que no mundo em que vivemos vale a pena a discussāo em relaçäo aos favorecimentos, conveniências e ausência de interesse, exacerbaçāo do egoísmo, valores sociais, família ...etc. wanderley, excelentes reflexões, obrigada!