sábado, 7 de julho de 2012

"Oração forte" - Dias Índios XI - Autor: Professor Wanderley Dantas

"Ih! Lu! Esqueci de avisar para vocês que não tem água na aldeia há duas semanas", disse o Cacique. Fiquei pensando como que se esquece de avisar que não tem água!...
 
Nossa água vem de um poço artesiano e é distribuída às torneiras que ficam do lado de fora das casas, sendo uma torneira para cada duas casas. Sob estas torneiras coletivas, tomamos banho, bebemos água, lavamos louça e roupa, etc. Todavia, não ter água alguma era uma situação que não prevíramos.
 
Em julho, nosso Cacique já havia esquecido também de nos avisar que não teria aula por ser um período de festas na aldeia. Ficamos lá assistindo as festas, gravando suas histórias, língua, traduzindo textos e aprendendo a língua, mas todo o material escolar que comprei para as aulas tiveram que esperar até o fim de agosto, quando terminaram as festas.
 
Assim, imprevistos como esses precisam ser tolerados. Não há como ficar voltando à cidade a cada problema ou falta de alguma coisa (exceto em caso de emergência), já que entrar e sair da aldeia têm um custo financeiro muito alto. Embora da cidade para a aldeia sejam apenas 5 horas de viagem, o carro fretado que nos leva à beira do rio e depois nos pega ali para nos levar de volta à cidade cobra $500,00 (quinhentos reais), além dos 100 litros de gasolina que temos que levar para abastecer o barco da nossa aldeia que nos busca e depois nos deixa na beira do rio novamente. Aqui, o preço da gasolina está R$ 3, 25 (três reais e vinte e cinco centavos)! Tudo isso sem contar as compras de subsistência que fazemos para passar o mês na aldeia. Assim, como todo bom professor neste país, pagávamos para dar aula, mas, evidentemente, há muitos amigos que nos ajudam para que possamos levar à aldeia uma educação de qualidade.
 
Então, quando vi entregarem um balde de plástico de 20 litros na mão da Lu, dizendo que tínhamos que pegar a água do rio e levar para nossa casa, eu e a Lu nos olhamos e vi em seu rosto li todos os seus pensamentos: "ter que ir ao rio buscar água para lavar roupa, lavar louça, molhar a casa, escovar os dentes e, pior, beber água?!" Um quilômetro do rio à casa, sendo que a volta pareceria uma longa e interminável subida... O que estava em jogo, na verdade, era o nosso respeito à cultura da comunidade e na cultura deles quem faz o trabalho duro na aldeia é a mulher: arrancar mandioca, carregar mala, trazer e levar madeira, suportar peso... buscar água! Então, a Lu precisaria se resignar...
 
                 Após buscarmos no rio nosso primeiro balde de água (fui junto para dar apoio moral a Lu e as minhas filhas, que, embora crianças - 5 e 3 anos de idade -, na cultura, teriam que ajudar a mãe), chegamos em casa e a Lu sentou cansadíssima sobre a cadeira e me ouviu dizer: "Não sei se vai dar para ficar aqui sem água"... Naquele exato momento, estava visitando a aldeia um funcionário da saúde do Estado. Ele entrou na nossa casa e a Lu imediatamente perguntou quando que teríamos água. "Só no início da próxima semana, dona. É quando os técnicos podem vir ver o problema", respondeu ele. O técnico viu a cara de frustração que a Lu fez, já que ainda estávamos na quarta-feira.
 
           -Amor – disse-me a Lu – ainda bem que você não é índio. Você é quem vai buscar água no rio!
 
  -Lu, meu amor, eu tive uma tataravó indígena, assim, penso que você deverá respeitar minha cultura e buscar água para nós - brinquei com ela. Enfim, ficamos por quase vinte minutos arrumando nossa casa, quando, repentinamente, entra aquele funcionário da saúde novamente, dizendo com a cara mais espantada do mundo: "Dona, sua oração é forte! Fui lá ver e era só um probleminhazinho que resolvi na hora. Voltou a água"! Lu deu pulos de alegria, e eu suspirei aliviado. Então, naquele mês, cada vez que íamos àquela torneira, agradecíamos a Deus por sua terna bondade.
 
Prof. Wanderley Dantas

 
Publicação autorizada pelo autor em 05/09/2012

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