O padrão da loja era voltado para a classe média,
oferecendo produtos de qualidade com preço justo. No rol de fregueses estavam
famílias tradicionais da cidade e muitos colonos que se abasteciam no comércio
das cercanias, enquanto os cavalos matavam a sede no bebedouro do Largo da
Ordem.
Naquela tarde de pouco movimento meu tio estava
sozinho na loja, quando chegou uma senhora bem vestida, educada e falando com o
sotaque chiado de uma importante e maravilhosa cidade da Região Sudeste. Pediu
para ver alguns modelos, sentou-se e foi provando aqueles que ele lhe trazia.
Em poucos minutos já dava para concluir que se
tratava de uma cliente exigente demais, pois nada lhe agradava. Um apertava em
cima, outro nos lados, um terceiro folgava. Aquele era feio ou a cor não
combinava. Calçava um por um e torcia o nariz.
O tio Oto, com a paciência que Deus lhe dera em
excesso, ia tirando tudo das prateleiras, na tentativa de encontrar um exemplar
que satisfizesse tão sofisticada senhora.
Depois de oferecer todos os modelos das
prateleiras, ele foi ao estoque, no mezanino, buscar mais alguns. Olhando lá de
cima, viu que ela escondia um par do melhor sapato de salto alto na bolsa,
depois de experimentá-lo e tampar a caixa cuidadosamente. Tio Oto voltou com
vários outros pares e continuou no seu ofício de servir, com a mesma dedicação
e sem comentar nada. Queria ver no que ia dar aquilo.
Depois de meia hora e muitos pares provados,
colocando um ar forjado de irritação no semblante, a forasteira levantou-se e
disse:
- Já vi que nesta cidade não tem sapatos que me
sirvam.
Voltou-se para a porta com o propósito de tomar o
rumo da rua, mas o meu tio prontamente a interrompeu, postando-se à sua frente.
- Minha senhora, lamento não termos sapatos do seu
agrado. Mas gostaria que devolvesse o par que está na sua bolsa e faltando aqui
- disse ele com a caixa vazia nas mãos.
A mulher, surpresa ao saber-se descoberta, logo
fingiu indignação para começar sua defesa. Mas arrependeu-se assim que iniciou
a primeira frase, avaliando que de nada adiantaria um bate-boca àquela altura
dos acontecimentos. Olhou para o tio Oto de cima a baixo com visível desprezo e
sacou da bolsa o par de sapatos. Com força atirou-os aos pés dele e,
caprichando no sotaque, despediu-se com esta:
- Pode ficar com sua porcaria. E saiba o senhor que
roubar, neste país, é comum.
***
N. do A. (2) - Na ilustração, tela de Paul
Garfunkel retratando o Largo da Ordem, em Curitiba, Paraná, em cujas imediações
ficava a Casa Lorita.
Autor:
João Carlos Hey – Curitiba/PA
Página
do autor:
Publicação autorizada pelo autor
Um comentário:
Bom ler seus textos no Recanto e aqui. Acompanho todas as suas publicações.Gosto do seu modo de escrever. Abraço, João.
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