sábado, 27 de fevereiro de 2016

Loucuras e incertezas

Autor: Gilberto Dantas

            Encontro-me com meu amigo Roque, por puro acaso,  e o convido para jogar uma partida de xadrez em minha casa. O jogo já levava três horas e nenhum de nós dois conseguia dar o mate desejado. Foi nessa hora que o Roque começou a filosofar e ali, diante da mesa do jogo, entramos a fabular sobre a vida. 

            - Sabe, Gil, não acredito mais em nada, muito mal que estou vivo  e falando com você.  Bastante surpreso, indaguei do amigo se estava desgostoso da vida, logo ele um comerciante próspero na cidade, o maior mecânico de carros da região do Noroeste Fluminense. 

            - Não, amigo!  É que fui educado com muito realismo. Saiba você que na idade de 06 anos eu já não acreditava em Papai Noel!   É mesmo, disse eu?  - Imagine você que estando eu numa roda de amiguinhos lá no Rio de Janeiro, na rua Santo Amaro, onde morava, todos falavam que Papai Noel existia e tentavam provar a existência dele, com os brinquedos que ganhavam no Natal. Até os cariocas, bons malandros, acreditavam... Pois bem, ao chegar em casa, perguntei ao meu pai se existia mesmo o bom velhinho. E ele me respondeu de chofre, sem dar tempo para eu cultivar minhas ilusões: - Não existe! O Papai Noel sou eu , seu pai!

            Ponderei ao amigo que isso era triste, pois ouvia dizer que devemos ter ilusões, utopias. Seriam os bons temperos da vida, serviriam como pimentas para dar um gostinho no nosso viver.  – Qual nada, ele me respondia! – Pois saiba que me senti superior aos amiguinhos no episódio do papai Noel. Sentia-me mais firme, pisando o chão das dúvidas. E além do mais, passei a perceber que ao lado dessas ilusões, vamos dizer, benignas, quase todo mundo vem com defeitos cerebrais que afetam muito o seu comportamento.  Pode acreditar, é o caso da maioria das teses filosóficas, tratados de psiquiatrias,  falsas mensagens   religiosas, que pululam neste mundo de Deus. Aprendi outro dia que a natureza é remendona, por isso há muito imperfeição no mundo. Sem falar nos defeitos físicos: pessoas com cara de cavalo, cara de cachorro. Eu mesmo, vi ontem, na cidade vizinha, um homem que parecia uma codorna.

            Foi nesse momento, que me lembrei do velho Machado de Assis, um crítico mordaz da nossa sociedade, grande observador da psicologia humana.  Não sei se já comentei com o leitor  que continuo fazendo uma profunda pesquisa nos textos do grande escritor.  Agora me lembro, sim, já comentei isso em outras crônicas. Deixa então eu prosseguir.  Logo me veio à mente o personagem famoso do conto “O alienista”, o Dr. Simão Bacamarte. E disse ao meu amigo que realmente o ser humano visto de perto não parece normal. Vou contar uma que o amigo leitor, a amiga leitora não vão  acreditar. Foi um relato do psicólogo Alfred Adler nos dando conta de que uma empregada doméstica do Freud ficava assustada com  número de suicídios dos clientes do Freud. Há quem diga que como psicólogo foi um grande escritor, com uma mente fertilíssima.

            - É verdade, Gil, quanto às anormalidades,  por isso não aceito de jeito nenhum me associar a qualquer movimento, principalmente pertencer e me juntar às massas. Veja que a mídia de hoje adora aplaudir as massas. Lembra-se das massas de Hitler? Das massas de roqueiros? Das massas nas estradas, com engarrafamentos de 200 Kms?  Você acha normal isso?

            Concordei com o Roque, logo eu que fujo das massas. Massa só se for de macarrão! E macarronada italiana. Lembrei então ao amigo que o Dr. Bacamarte, impressionado com os defeitos cerebrais dos humanos,  pretendeu interná-los todos na Casa Verde, na cidade de Itaguaí, cidade onde morava. Mas veja, Roque, comentava eu, o pobre do Bacamarte acabou soltando todos os “doentes” da cidade porque chegou à conclusão que essas “doenças mentais” afinal eram normais, pois pegava toda a população. E ele, o doutor, acabou se internando no hospício, ele todo racional, todo certinho, é que era o anormal.

            E meu amigo Roque, após me alertar que estava me dando xeque no jogo de xadrez, completava feliz: - Gil, além dessas loucuras todas, muito aplaudidas pelas massas, diria muito mais. Veja que tudo agora é considerado normal e ai de você, se  contestar... Logo será xingado de reacionário, alienado, conservador, etc., etc.  Vou contar mais uma pra você, antes que eu lhe dê o xeque-mate. Não acredite também em interpretações dos outros.  E nesse particular confesso a você que só li um conto do seu ídolo, o Machadinho.  Foi o conto “Os óculos do Pedro Antão”. Surpreso com o meu amigo mecânico, pedi a ele que resumisse esse conto, ou pelo menos apontasse para mim o final do conto.

            - Amigo Gil, esse conto de dez folhas decidiu a minha vida para a descrença total. Tentarei resumir em poucas palavras.  Veja você que esse tal de Pedro Antão vivia recluso numa casa sombria e não queria saber de amizades. Até que um dia morreu e deixou o palacete  de herança para seu único sobrinho, o Mendonça. O Mendonça achava a casa mal assombrada e apelou para um amigo para ir ver a mansão. O amigo viu coisas estranhas na casa e resolveu adivinhar ou analisar a personalidade do Pedro Antão, pelos objetos que ia encontrando.

            Segurei a mão do Roque, pensando em sair do xeque no xadrez, e lhe disse: - “Mas, Roque, é possível analisar a personalidade de alguém pelos objetos da casa?” No que meu amigo ponderou assim: -  Claro que não! Espere que vou lhe contar logo o final dessa história, não sem antes criticar essa turma que vai para o estrangeiro, passa uma semana, por exemplo, em Paris e pensa que conheceu o psiquismo do francês e alguns chegam a escrever livros com teses incríveis sobre a França. É desse jeito que aparecem as teses...  Mas deixe-me concluir. O amigo do Mendonça achou que  o Antão ficara recluso porque tinha um grande amor proibido. E vivia se encontrando com a amada às escondidas, um romance tipo Romeu e Julieta. A amada morava em uma casa que se situava atrás da casa do Antão. Havia chegado a essa conclusão luminosa  porque achara uma escada de seda, uns estranhos óculos verdes e outros objetos que se encaixavam neste romance criado pela cabeça fértil do amigo do Mendonça. 

            Consegui sair do xeque e   agora  era eu que dava um xeque com minha torre. E perguntei ao Roque: - E essa interpretação estava correta, descobriu-se mesmo esse romance?

            - Claro que não, Gil. Por sorte, o Pedro Antão havia deixado um documento para o sobrinho alertando para esse fato. No rolo de papel achado pelo próprio sobrinho, o Pedro Antão dizia que deixava aquelas pistas de um suposto romance porque tinha certeza que apareceria um bobo alegre para fazer essa interpretação estapafúrdia  e encerrava com mais essa lição valiosa. Dizia o tio: “Livra-te dessas  filosofias baratas da vida e fuja das interpretações”. Foi o que sempre  fiz, meu amigo Gil.  Aparentemente, parecia que ia ganhar esse jogo de xadrez, mas vejo que não. Aceita o empate?

            E eu, maravilhado com a conversa do Roque, já pensando em outro grande escritor, o Pirandello, repetia mentalmente a sua frase célebre:  “Assim é, se lhe parece”. 

            - Então, Gil, aceita o empate?   -  Sim, parece-me que a partida está empatada! 

              E meu pensamento se voltou para uma frase genial e brincalhona do Machadinho, meu atual ídolo: “ O  xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imaginem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia...”

                Faltou dizer, meu caro Machado de Assis, somente o Rei não come ninguém...  



Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ


Publicação autorizada pelo autor

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