quinta-feira, 11 de julho de 2013

O diabinho e o cinto de castidade

Autor: Geraldinho do Engenho

Rebeca era a mais velha das quatro filhas do coronel Juvêncio. Fazendeiro abastado e influente naquele vasto sertão. O latifundiário tentava manter uma tradição erronia e ultrapassada, herdada desde as remotas épocas da idade média, repassada de geração a geração até chegar aos seus ancestrais.
Diziam as más línguas que a riqueza do coronel tinha um porque, era duvidosa. O homem não era lá muito bento, possuía um diabinho preso em uma garrafa, escondido num compartimento secreto da casa grande. Chegavam afirmar já terem o visto à meia noite de uma sexta feira treze, conversando com um ser muito estranho, na encruzilhada que dava acesso a caverna do diabo, nome dado ao despenhadeiro existente onde situava as crateras de um vulcão adormecido.
Viúvo desde o nascimento da filha caçula era enrabichado pela Pandora, mulher de reputação duvidosa, que diziam ser vidente e macumbeira.
Dorinha, cuja mãe faleceu ao lhe dar a luz, ao completar seus doze anos, vivia lamentando o desconforto causado pelo cinto de castidade, imposto pelo pai, e acusando Rebeca por não desencalhar, arrumando um casamento. Segundo a tradição do velho primeiro a filha mais velha teria que ser levada ao altar para o casamento, abrindo o caminho para as mais novas. Revoltada com a situação não cansava de lamentar o triste destino por ter nascido de um pai tão quadrado com o seu conservadorismo doentio.
Ìnhá Chica era um anjo de bondade  para as quatro moças, que a consideravam como verdadeira mãe. Todas elas ao completar doze anos eram trancafiadas por um cinto de castidade. Cujas chaves dos cadeados andavam pendurada na cintura do velho.
Apesar da condição de escrava, Inhá Chica tentava ajudá-las, mas sua posição de cativa a impedia. Alem do mais desde a tentativa de surrupiar a penca de chaves do velho, o que lhe custou mais de quarenta chibatadas, a pobre escrava apenas rezava consolando suas meninas. As três mais velhas eram mais recatadas e quase não apareciam em publico, aos currais onde havia grande movimentação de empregados e clientes que negociam a produção agropecuária com o coronel. Mas Dorinha, essa era pimenta pura, vivia a correr pelas capoeiras as escondida do pai, se agarrando com os filhos dos vaqueiros, que tentavam sem sucesso arrombar o cadeado do seu cinto. Mais saidinha estava sempre servindo o café da manhã e da tarde aos vaqueiros e visitantes, toda cheia de charme esnobando seus encantos, espevitada deitando o olhar provocante em cima de tudo que era homem.
Certa ocasião coronel fechou um grande negocio com um rico carniceiro dono de um estabelecimento de charques. Dias após chegou à comitiva encarregada do transporte da boiada. Permanecendo na fazenda durante duas semanas capeando a boiada no  procedimento  preparativo para a viagem. Dentre seus membros, um ferreiro que cuidava das ferraduras da tropa, fazendo dupla com o cozinheiro, os dois rapazes bem afeiçoados, eram cantadores e violeiros.
Confiante no equipamento que protegia suas filhas, contra os malfazejos o coronel lhes deu toda liberdade para assistir a cantoria da dupla, coisa inédita naquelas remotas paragens sertaneja. Imaginando a     possibilidade de desencalhar as filhas mais velhas com algum casamento, relaxou sua vigilância. Passou o tempo inteiro entretido com a Pandora.
Foi o bastante para sua espertinha caçula passar ao ferreiro, copias dos cadeados que as mantinham castas, moldados em cera de abelhas. Durante mais de uma semana o amor rolou solto, no silencio, da noite as altas horas entre as quatro virgens, os violeiros e outros que faziam parte da comitiva. Quando a comitiva partiu foram quatro corações partidos que ficaram.
Tempos depois coronel cismou que suas filhas haviam sido atacadas pela malaria, imaginando que o paludismo estava deformado o corpo das filhas. Mandou Inhá Chica preparar as ervas necessárias para o tratamento. Experiente a velha escrava as encheu de vitaminas, cuidando bem das quatro moças. Ao completar nove meses da partida da comitiva Ínhá Chica chamou o coronel com certa urgência na casa grande, exigindo lhe passar as chaves, pois chegou à hora ele seria avô de quatro netos. Estupefato o velho quis tirar satisfações com a escrava, que o reprimiu:
--Agora coroné Juvêncio é hora de bota no mundo quatro vidas, quatro netos que Deus te mandô mode castigà ancê! Tá pensano qui vigiá muié coroné é tarefa fácil, ninguém vigia muié não! Dão-me cá as chaves qui os bacurim tão bateno nas portas mode saí!
Transtornado o velho obedeceu à escrava, entregou a penca de chaves e foi se consolar nos braços de Pandora. Por mais de trinta dias ninguém deu noticia de seu paradeiro. As filhas já recuperadas imaginavam mil coisas quando o velho reaparecesse. Dorinha sempre afirmando:
-- deixem comigo eu resolvo tudo. Um belo dia aparece o velho. Inhá Chica o viu chegar trotando seu cavalo baio. Correu ao seu encontro estava manso como um cordeiro. Assustada com sua mansidão a escrava logo previu o que estava para acontecer, dizendo--lá com seus botões:
-- aí tem coisas, estamos diante de um lobo em pele de cordeiro. Estava certa-, o velho chamou as quatro mães às colocou de pé a sua frente e disse:
- estão vendo esta pistola no meu cinturão? Voltei para lavar a minha honra, dêem-me uma boa explicação ou morrerão todas!
Dorinha se postou a sua frente e disse:
- meu pai, tu se lembra daquele dia em que eu soltei seu diabinho quando o encontrei por acaso, naquela sala secreta do porão, preso naquela estranha garrafa? Eu passei o maior apuro não sabia como prendê-lo; minha única alternativa foi lhe dar ordem para lavar as pintas pretas do bode reprodutor dizendo que o queria todo branco. Ganhando tempo até que o senhor chegou para prendê-lo? Foi ele que me ensinou a moldar de cera as chaves de nossos cintos. Quando a comitiva chegou passei ao ferreiro o molde das quatro chaves. o resto o senhor como homem deve imaginar o que ocorreu. Esta é a história agora façamos o seguinte o senhor mate a mim sou a única culpada, deixe minhas irmãs viverem e criar seus quatro netos, eles estão isentos de culpa, são inocentes!
-- E não merecem ser castigados por um avô tão burro como Eu -, não é mesmo filha? Venha cá me dê um abraço não vou matar ninguém e estou louco pra conhecer meus netos! Estou orgulhoso de você, saiu com a minha coragem e a beleza de sua falecida mãe!
Quanto ao diabinho você nunca o viu! E ninguém aqui sabe de nada estamos entendidos!


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG



Publicação autorizada pelo autor

Um comentário:

Anônimo disse...

Geraldinho, poeta querido, voce sempre nos presenteando com sua maravilhas de narrativas.