terça-feira, 13 de maio de 2014

Bom Despacho de ontem

A Cruz das Dores

(Rua da Garça)

Cruz das Dores de outrora, depois Rua da Garça. Como falarmos da história de uma cidade se não falarmos da história de sua zona boêmia?  Mulheres de vida facial e de  existência tão sofrida. Iniciando a garotada no “divino sacramento do sexo” — nos dizeres de Pablo Neruda. Umas ternas como irmãs. Outras carinhosas como mães. Ouvindo desabafos. Vendendo afagos. Algumas sedutoras. Fatais. Fatídicas. Despertando paixões. Escravizando homens. Destruindo fortunas e famílias.
Histórias humanas ou desumanas, incontáveis, inesquecíveis.
A Cruz das dores abrigou a pensão da Dona Tina, da Fuca, da Tê, da Maria da Tuca. O ponto chique do Vicente da Zica. Mais afastada, a casinha da Maria Quelemência. Por ali, pululavam mulheres, homens, pentelhos assustados e retraídos na emoção da primeira vez.
A Mariquita, tipo mingnon. Alegre. Feliz. Despreocupada. Abria as portas e o sexo para a garotada. Se não tinham dinheiro para pagar o sexo feito, tinha importância não. Ela anotava num caderninho, como qualquer comerciante que vendesse mercadoria, depois recebia no fim do mês.
Maria Leonor, moreninha cor de canela. Bonita, educada, sorriso de criança. Podia ser a namoradinha de muito rapaz de família, mas era a mulher de tantos homens.
 A “Cem Contos” rodava os bordéis do oeste de Minas, com chofer e carrão alugado. Blusa de cetim. Vestido de seda. Elegante. Um mulherão. Perfume francês importado. A Cruz das Dores era um reboliço só, quando ela chegava. A “rapaziada latino-americana sem dinheiro no bolso” tinha acesso àquela diva não. Ela reservava suas noites para os figurões da cidade, que, diz a lenda, pagavam até cem contos de réis para estar com ela. Daí seu apelido.
Rua proibida. Moça de família e mulher que ousasse sequer passar pela Cruz das Dores ou homem de bem que por ali apenas transitasse, era um escândalo. Ficavam falados e abasteciam as fofocas das comadres de plantão pelo resto do ano.
Rua da Garça ou Cruz das Dores, refúgio das mariposas e das Madalenas. Território permitido, mas amaldiçoado pela sociedade, terra proibida, por isso mesmo misteriosa e fascinante no inconsciente coletivo da população. Cenário histórico de uma cidade construída por decênios, nos caminhos da virtude e nas sendas do pecado e da perdição.

Autor: Tadeu de Araujo - Bom Despacho/MG



Um comentário:

Maria Mineira disse...

Belo texto! Uma homenagem a uma época da história de sua cidade e também, às "Madalenas" Afinal elas merecem, são filhas de Deus, como todo mundo.