domingo, 3 de novembro de 2013

Orquestra dos desesperados periquitos verdes

Autor: Carlos Costa

Durmo, acordo, tomo remédios e caminho no Condomínio Mundi com fones aos ouvidos escutando músicas de Rádio juntamente com a orquestra desesperada dos periquitos verdes,  desalojados de seu habitat natural. Eles fossem pretos, os observaria com desejo contido; mas olharia. Verdes, olho para cima e sinto pena quando os vejo voando de uma arvore para outra, como um balé cadenciado ou uma dança coreografada pelo barulho dos tostões entrando na caixa registradora da coisa que se chama progresso! Horrível, mas real!
De vez em quando, no início da tarde, outro passarinho, talvez amigo dos periquitos verdes da orquestra desesperada comandada por um maestro invisível, provavelmente a mando dele a quem não consigo vê-lo, - mas sei que está regendo essa orquestra - bate com seu bico em minha janela do quarto como que me pedindo para entrar no banheiro e escutar pela janela entreaberta, mais uma vez, a orquestra dos periquitos verdes desesperados que, em meus ouvidos, soa como música de protesto contra a destruição das árvores que existiam e onde todos habitavam, silenciosa e pacificamente.
Nessa hora, sinto saudades de Geraldo Vandré, cantando a música de protesto e gritando: “Gente! Gente! A vida não se resume a festivais” e, depois, aos acordes de violão, cantar: “vem vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer...”  que só foi entendida “Para não dizer que não falei de Flores”, anos mais tarde. Mesmo proibida pela Censura Militar, se tornou hino de protesto em todas as manifestações de protesto da época!
Ou talvez o passarinho que bate em minha janela seja para me agradecer pelas poucas árvores que restam na divisa dos Condomínios Mundi e Florença Residencial Park. Mas não sei. Ó, como sofro! Por que o Senhor não me fez como São Francisco de Assis, que conversava e entendia a linguagem dos pássaros? Também não sei!
Morador do Condomínio Florença, com floresta beijando a janela, filmava preguiça, macado da noite, araras, periquitos e me deliciava ao vê-los depois na imagem de minha TV. Ao ver o desmatamento  sem qualquer placa de licença municipal para fazê-lo, comuniquei à Secretaria do Meio Ambiente e denunciei. A obra foi embargada, o desmatamento interrompido e, depois que deixei o local, outros moradores do Condomínio prosseguiram com ações na Justiça, obrigando o projeto imobiliário a ser todo refeito, atrasando em mais de dois anos a entrega das 11 torres de concreto. Mas não sei se o passarinho que bica de manhã e à tarde consegue me ver por detrás do vidro com película escura de 50%. Será que eu não poderia ser oftalmologista de passarinho para saber se eles conseguem me ver?
O passarinho que bica desesperadamente talvez não me veja (?).  Mas percebo seu desespero em me fazer levantar, abrir a cortina e vê-lo voando alegre. Será que ele me viu levantando da cama? Depois, entro no banheiro e escuto a orquestra dos periquitos verdes todos voando de um lado para o outro, como se fosse uma revoada combinada antes entre todos, pela janela aberta para deixar escapar o vapor do banho e não embaçar o espelho como se fosse uma revoada combinada antes entre todos. Como é perfeito esse movimento de vai-e-vem. Em seguida, todos retornaram mais triste para reiniciar seu canto fúnebre na mesma árvore que ainda os acolhe com alegria, seu canto quase fúnebre!  O espelho é só para saber e ter certeza que onde ainda estou vivo e me vejo.
Meu coração, que admira esse espetáculo triste, se enche de alegria porque lhes permiti nesse mundo de ganância, um último refúgio para o canto, mesmo triste, dos periquitos verdes desesperados. Ouço agora apenas o canto como um sinal de alerta para o futuro que desejamos deixar para as próximas gerações! Os pássaros de minha imaginação precisam cantar livres, mesmo que não sejam mais tão livres e cantem tristes! Mas o importante é que ainda continuem cantando para dizer aos seres humanos que precisam ter seus espaços em meio aos caos urbano!

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

Ao advogado e ex-deputado Miquéias Fernandes e ao  deputado e advogado Luiz Castro

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