terça-feira, 8 de abril de 2014

O jardim

Autora: Conceição Gomes

Todos os anos, ao final do inverno, Maya iniciava os preparativos para receber a primavera, estação que lhe enchia a alma  de incontáveis emoções.Especial era seu jardim, com seus canteiros de flores, todos com nomes de pessoas amadas. Maya cuidava pessoalmente  de cada detalhe,fazia tudo sozinha,desde que Ciro, seu companheiro de longos e felizes anos se fora, deixando apenas a suave lembrança do tempo em que dividiam cada pensamento, cada momento de alegria.O jardim era o espaço mágico  onde Maya contava dos seus sonhos para Ciro e dos recados que ele  mandava para cada uma das flores.A boa Nancy, companheira de Maya  no  grande casarão já não pensava que a patroa era louca  por conversar e rir com as flores.O jardim era o espaço de sanidade de Maya.Era lá que encontrava ânimo para  mandar a solidão embora,  para encontrar-se com Ciro e manter a lucidez..Se tivesse filhos, teria  a quem dedicar-se. Num mundo onde as pessoas têm tão pouco tempo para momentos afetuosos, o encontro com seu jardim e suas flores era o ganho de energia que lhe dava diariamente o sopro de vida.A primavera era o coração  aberto para o calor aconchegante, o cheiro orvalhado das manhãs  e as caminhadas contemplativas , quando cumprimentava outras pessoas que talvez sentissem nessa estação,os mesmos prazeres. Não que Maya não gostasse do inverno, onde podia negligenciar-se sem culpas embaixo das cobertas, ou do outono, com suas cálidas tardes de calor e douradas  folhas espalhadas pelo chão. Ou do verão, com o sol  desabrochando todos os  sentidos.Mas era a primavera  que a deleitava, era quando Maya deixava fluir em suas veias todas as  virtudes humanas, até mesmo a tolerância com os dissabores do mundo. A natureza tudo embeleza, tudo renova e a primavera  era a síntese  de tudo isso para Maya.Ela queria ser  um pouco que fosse , como a natureza, como a primavera.Não desejava  nada mais naqueles momentos em que ela e suas flores fundiam-se  em  unicidade para reverenciar a natureza.
Em uma dessas santas manhãs, Maya estava cuidando de seu jardim, quando  ele apareceu.Era jovem ainda, mesmo tendo os cabelos grisalhos. Cumprimento-a com um jovial bom dia.  Pediu a atenção de Maya para uma consulta. Disse que havia comprado um casarão ali perto e que estava restaurando o jardim. Como admirava o jardim de Maya, gostaria de ter um semelhante. Maya aceitou o desafio  e as semanas seguintes foram excitantes  com o prazer de discutir cada detalhe  do novo jardim. Passaram a caminhar juntos, trocar idéias e experiências. Os cafés no meio da tarde tornaram-se mais freqüentes ao som de músicas que ambos gostavam. Combinaram passar um final de semana em algum lugar aprazível para os dois. Maya sentia um novo ânimo. Ansiava pela presença de Ramon a cada dia, como se  ele fosse  a chama a acender brasas adormecidas em seu corpo.
Finalmente o jardim ficou pronto.Parecia o mais belo jardim que Maya já vira.Era como um filho gestado com todo o amor do mundo e que necessitaria de cuidados dali para a frente.É a vida, pensou Maya. A noite, Maya conversou com Ciro, disse que gostava de Ramon, que os dois tinham os mesmos gostos, que estavam se entendendo bem... A fotografia do porta-retrato manteve o sorriso, maior charme de Ciro. Era como se dissesse: vá em frente, você merece seu jardim, suas flores e um novo amor em sua vida.

Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR


Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=54344

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