segunda-feira, 30 de junho de 2014

Minha Casa Está Sem Alma

Autora: Ana Bailune

Eu hoje acordei de madrugada, e juro, escutei você tossindo no corredor, aonde você ia tossir quando precisava da minha ajuda de madrugada. Levantei-me, olhei pelo vão da escada, e tudo estava vazio...
Desci, preparei meu café, e você não estava na cozinha. Dei a primeira aula do dia, e você não apareceu fazendo barulhos para chamar minha atenção. Não precisei colocar os banquinhos bloqueando a entrada para evitar que você invadisse a sala de aula. A aula terminou, e quando fui levar minha aluna ao portão, um enorme tufo de pelo pousou no tapete da entrada, aos meus pés. Peguei o ancinho e fui varrer as folhas secas do gramado, pois varrer sempre me alivia... e deparei com um último cocozinho seu que passou despercebido entre as folhas secas. 
Ainda vai levar muito tempo até desaparecerem todas as suas marcas, pois você estava em todos os lugares desta casa, deste jardim. Nossa amiga, confidente,  filha, companheira. Há dez anos juntos. 


Abri o armário da área de serviço e deparei com seus remédios de outros tratamentos mais antigos, xampus e cremes, colírios e unguentos. Você sempre tinha algum probleminha de saúde, infelizmente... e eu cuidei tão bem de você! Juntei todas as coisinhas em uma sacola e fui levar para minha vizinha que cuida de cães abandonados, para quem eu já tinha doado suas rações e biscoitos. 
A casa está horrivelmente silenciosa. Não escuto suas unhas no piso da cozinha e da sala. Limpei as últimas marcas de suas patas no chão da cozinha, e doeu passar o pano sobre elas... era como se eu estivesse banindo você. Olho pela janela, e você não está ali, ao sol, esperando eu terminar minha aula.
Minha casa está sem alma, e sabe, eu nem desconfiava que te amava tanto. Meu marido resumiu muito bem tudo o que aconteceu em uma curta frase: "Ela era a minha alegria." Lembro-me dele chegando em casa e perguntando, "Como estão as minhas meninas?"


Recordo-me das últimas vezes, sextas-feiras à tarde, em que eu colocava uma música suave e nós duas nos deitávamos no tapete da sala (o novo, que meu marido dissera que não era para cachorro dormir); você, de barriga para cima, ficava olhando o teto, e parecia sorrir. Estava tão tranquila e satisfeita... a tosse ainda não tinha começado a sufocá-la. Eu encostava meu rosto na sua carinha, e ficávamos tanto tempo assim, até que você dormia. Você está em toda parte. Dominou a nossa casa e as nossas vidas de uma forma eficiente e completa.

Agora, como seguir em frente nesta casa vazia de você? Tudo está tão sem-graça...



Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ




Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
Link: http://ana-bailune.blogspot.com/2012/03/face.html
Powered by Blogger


http://www.blogger.com/ 

4 comentários:

Carlos A. Lopes disse...

Olá Ana, parabéns pelo texto. Uma avaliação preciosa de um ser é considerar como ele trata seus animais e também os pais... é como palavra de mãe, nunca erra. Sei dos seus sentimentos pq também sei a falta que o meu animalzinho faz a mim e minha casa. Ele deixou marcas em todos os lugares e não dá pra esquecer isso ... Se é que quero esquecer.

Maria Mineira disse...

Um texto escrito com palavras ditadas por um coração partido.Ana, pude perceber ao longo da narrativa cada lágrima brotada dos olhos enquanto você escrevia, pois eu não cheguei a conhecê-la e me emocionei muito.As marcas físicas dela desaparecerão, mas as que ficaram gravadas na alma acompanharão vocês, nunca se esquecerão do quão feliz foram juntos. Texto lindo, uma bela homenagem!

Marina Alves disse...

O amor está em cada palavra e toca profundamente por ser imenso e verdadeiro. E amor é sempre amor, não importa se por uma planta, um ser humano, um animal. Sei o quanto Latifah foi importante pra você, apenas acompanhando de longe seus relatos sobre ela. Esse vazio é o mesmo de todas as perdas e só o tempo pode torná-lo menos doído. Emocionante, Ana. Um abraço.

Ana Bailune disse...

Amar um cão, e não saber que o amava tanto...