sábado, 14 de março de 2015

A Quinzena do Autor

Autor: Carlos Costa

CARLOS COSTA, jornalista, assistente social e escritor amazonense, nascido em Manaus, é membro da União Brasileira de Escritores, do Clube da Madrugada e da Associação Amazonense de Escritores. Como jornalista, aos 26 anos assumiu a Editoria Geral do Jornal do Comércio, posteriormente, transferiu-se para o Diário do Amazonas, onde permaneceu por quatro anos ininterruptos.
Também assumiu a edição de 1ª página do extinto Jornal "A Notícia" e publicou neste jornal a coluna "Crônicas de Carlos Costa", ao lado de Chico Anysio e Guido Fidellis, por cinco anos ininterruptos. Começou a trabalhar em jornal no ano de 1978, na época da Censura do Governo Militar, quando também ganhou o seu primeiro concurso nacional no Paraná com a crônica ESSES LADRÕES, narrando criticamente um "assalto honesto" em uma loja fictícia. (no blog carloscostajornalismo.blogspot.com), na forma original em que foi escrita em 1982, ainda sob a censura militar no jornal em que trabalhava em Manaus
Como escritor, publicou vários livros científicos, de crônicas, poesias, romances de ficção, biográficos com reedições. 
O livro O HOMEM DA ROSA, publicado aqui no RL, lançado na IX Bienel Internacional do Livro, no RJ, foi indicada ao prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro.
Um de seus livros, inclusive, "O Caminho Não Percorrido - a trajetória dos assistentes sociais masculinos em Manaus", foi a base da tese de Doutorado de uma professora da Universidade de Franca, em São Paulo, na Espanha.
Recebeu diversas homenagens, prêmios, comendas e se define como um trígamo cultural: "casado com a YARA, casado com a crônica e mantém como amante a poesia"

VASO QUEBRADO!

            Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. (Charles Chaplin)

À Luiz Eron Castro Ribeiro, advogado, e os médicos Élio Ferreira da Silva e Dante Luis Garcia Rivera, com os quais  sempre posso contar. Minha gratidão por serem meus amigos!

Meu vaso de rosas quebrou, mas com paciência, resignação e muita fé, recolho o resto dos cacos quebrados, do chão gélido de um centro de cirurgia, cheios de bactérias com as quais fui presenteado e vou reconstruindo com paciência, resignação e sabedoria a nova vida que me restou para viver, recuperando o que fora um dia um vaso e, novamente, depositar dentro dos restos que conseguir reconstruir para recolocar o perfume das rosas que cultivei no coração e entregá-lo a quem quiser recebê-lo, agora com cheiro ruim...! Meu vaso não era perfeito, mas ninguém é perfeito em seu todo. Contudo, desejo reconstruí-lo com o máximo de perfeição que Deus me permite fazê-lo.

De origem pobre, pais agricultores e analfabetos funcionais, porém sérios, honrados e honestos, desde a adolescência, busquei construir um futuro melhor. Minhas sandálias havaianas percorreram ruas de paralelepípedos na Manaus de outrora perdida nas lembranças que nunca mais voltarão e meu frágil corpo sacudindo no banco traseiro do ônibus de madeira da Santa Luzia/Boca do Incoboca, toda vez que deixava de circular em pista de paralelepípedo e passava para a de barro batido, em frente a empresa Amapoli, onde minha mãe trabalhou, no Morro da Liberdade. Como meu amigo Luiz Eron, também consegui construir meu castelo de sonhos, mas tudo desmoronou em 2006 quando sofri a primeira de 11 cirurgias no cérebro para tratar de um empiema cerebral, deixando o hospital infectado por duas bactérias incuráveis. No início, me desesperei e tratei de recolher com paciência e sabedoria os cacos que me presentearam do vaso que guardava minhas rosas perfumadas e tive que recomeçar tudo de novo, passo a passo, um degrau por vez na subida porque sei que posso despencar também se pular algum degrau de minha nova escada.

Meu corpo físico de hoje não lembra em nada o menino que transportava caixa de picolé, tambor de cascalho nas costas, sempre maior do que eu era, vendia velas e flores em porta de cemitério no bairro do Morro da Liberdade, em frente a casa do Sr. Panta, parado e parando os fregueses com velas, fósforos na mão e, de quebra, uma caixa de fósforo de brinde, mas me orgulho de tudo o que fiz, só não da surra que levei de minha mãe Josefa Costa por         querer superar meu irmão Roberto Costa, que também vendia picolé, ao retirar dinheiro do caixa da mercearia que a família possuía no bairro da Betânia, voltar mais cedo para casa, devolver o dinheiro que era de minha mãe, mesmo recebendo parabenizações por vender mais picolé e voltar mais cedo para casa do que meu irmão!

O ônibus Santa Luzia/via Beco do Imboca, passava sempre em frente a Usina Triunfo, de propriedade do empresário Isaac Benayon Sabbá & Cia, e beneficiava pau rosa, copaíba e sova, mesmo depois do início da Zona Franca de Manaus, .onde meu amigo Luiz Eron Castro Ribeiro, começou a trabalhar aos 14 anos, também na década de 70. Estava retornando para casa, sujo de tinta de jornal no calção e feliz por ter conseguido vendê-los todos. A empresa, Usina Triunfo, que expelia fumaça negra de sua chaminé ao fundo,  foi totalmente alagada pelas águas do Igarapé do 40 em 1976. Já se vão 40 anos decorridos em minhas lembranças e recordo tudo como se tivesse acontecido ontem.

Também gostava de pegar essa linha de ônibus só para passar em frente a Usina e procurar inutilmente meu amigo do Colégio Durval Porto, onde estudamos, com os olhos que ainda não se escondiam por trás dos 7,5 graus de cegueira. Hoje a Usina Triunfo foi transformada em uma Escola, talvez para ensinar como não se deve agredir a natureza com fumaça negra ou branca e nem jogar lixo nos igarapés. Nada podia ver, além da parede branca da fábrica porque embora meus olhos ainda não se escondessem por detrás dos óculos, eu não tinha visão de Raio X. Que pena! Ficava só imaginando o que Eron pudesse fazer dentro da fábrica, enquanto voltava feliz de mais um dia de trabalho, com dinheiro no bolso que economizava moedas para depositar na Poupança Socilar, uma das primeiras a surgir em Manaus, além da CEF que já existia, mas não podia abrir poupança porque ainda não possuía documentos, além da minha carteira estudantil do colégio Dorval Porto. Sempre economizei porque parece que eu previa o que me ocorreria hoje, quando mal tenho dinheiro para viver; hoje conto com o dinheiro de minha esposa para pagar algumas pequenas despesas! Como já afirmou Charles Chaplin: “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios”. Eu não ensaiei. Vivi, trabalhei e estudei muito.

Hoje, mais maduro, experiente pelas besteiras e bobagens que fiz na vida, resignado, aceitei minha nova condição de vida, maduro sem os dois lados de meu crânio, que minha esposa insiste para que eu sempre saia com chapéu para não despertar curiosidade nas pessoas, que sempre perguntam: “isso foi acidente?” ou como uma garotinha na praça de alimentação do Manauara Shopping que, certa vez, em sua santa inocência, assim me perguntou: “por que tua cabeça está toda assim?” e eu tive que responder que tinha sido vítima de 11 cirurgias desde 2006, todas no cérebro e que passei a viver infectado por bactérias hospitalares, desde então. Também a ser como um inválido por muitos, pensador por alguns, escritor por outros e livre pensador por vários, sempre exigindo minha cidadania e reconstruindo com lembranças buscadas em lampejos de memória, o resto que ainda terei para viver. Meus sonhos e esperanças estão se esvaindo como o vento que sopra em meu rosto no calor úmido de minha cidade de Manaus.

Hoje, relembro isso com certo remorso, mas saudades também porque eu era feliz  ao chegar em casa e depois poder jogar bola na rua com meus colegas. Ah, que saudade!

Agora olho para trás e vejo que faria tudo de novo, sem tirar nem por nada. Faria igualzinho. Talvez, porém, não tivesse feito as cirurgias, mesmo desaconselhado pelo e amigo e médico Élio Ferreira da Silva, que queria mais diagnósticos e ia quase todos os dias no Hospital para ver-me inerte, autômato, olhando para a parede branca do hospital e me dava conselhos para que eu não operasse. Mas como não operar, se eu estava surdo? Sinto saudade das vozes de meus alunos perguntando assuntos de Serviço Social, que dominava e ainda domino com maestria, mas não tenho mais condições de voltar a fazer palestras como fazia antes. A última e primeira que fiz foi aceitando convite da professora Darcy Amorim, mas vi que não consigo mais me expressar como antes fazia com prazer e orgulho porque eu assumo que sou assistente social, apenas com meu vaso de rosas quebrado e reconstruindo de novo minha vida.

Como disse sabiamente o cineastra e filósofo Charles Chaplin “a vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termina sem aplausos”. Eu vivi a minha, não como gostaria, mas como eu precisava vivê-la e hoje recebo os aplausos pelo que escrevo, fazendo a alegria de muitos que me acompanham ao redor de 46 países!

QUEM VAI QUERER...!

Para Suelem Louize Freitas, Pjc,(#)

Agora, pouco me importa saber se nos 175 confrontos entre os times do Rio Negro e Nacional, o conhecido clássico Rio X Nal, também chamado de “o clássico das multidões”, ocorreram 44 vitórias para um; 69 do outro ou que teriam sido marcados 154 gols de um e 208 do outro. Também não desejo mais saber que foram registrados nesses disputas 62 empates, com um total de 363 gols. Pouco importa saber, ainda, que o primeiro jogo entre as duas equipes ocorreu no dia 02 de março de 1914, pela Liga Amazonense de Football, no campo do Bosque Municipal, sendo considerado o confronto mais antigo entre os dois clubes.

Como rionegrino que passei a ser em razão de influência de amigos de infância, mesmo sem entender nada de futebol até meus 11 anos, porque com essa idade comecei a vender picolé e levar cascudos na cabeça dentro do Parque Amazonense, mas não podia de ver os jogos de meu time do coração, porque só ia ao estádio para trabalhar e não para ver jogos. Também não desejo saber que o Rio Negro perdeu um jogo por  9 X 0 para o Nacional na primeira partida entre as duas equipes, com cinco gols de Cícero, 3 de Paulo e l de Cazuza e outros a história futebolística do Amazonas não registra.

Criança, com oito anos de idade, desenhava escudos do Rio Negro em  cadernos no Grupo Escolar Adalberto Valle, no Morro da Liberdade. A única coisa que importa para mim é dizer que no final da década de 70,   era um jornaleiro magro, raquítico, que pegava o ônibus toda madrugada no bairro da Betânia, para vender jornais nas ruas da antiga Manaus, entrecortadas por lindos e limpos igarapés, ligados por catraias coloridas que refletiam suas cores e mostravam até os remos usados para empurrá-las; Também caminhava pelas ruas cheias de paralelepípedos portugueses e ingleses, aparecendo ainda visíveis os trilhos de bondes que, um dia, transportaram lentamente namorados com seus paletós brancos e chapéus na cabeça, pendurados às portas para pegarem ventos. Na década de 70  comecei a vender jornais no porto de Manaus, na calçada dos Correios, no mercado da Cachoeirinha aos domingos, mas a cidade já não era mais a Manaus que me viu crescer gritando “quem vai querer, quem vai querer”. Já vivia com o início do processo de implantação do comércio da Zona Franca de Manaus e tudo era frenético. As ruas fervilhavam de turistas ávidos por novidades tecnológicas e a maior delas era o videocassete, que era contrabandeado para outros Estados.

Eu, sem me importar com nada disso, nem com as maçãs geladas vendidas nas esquinas das ruas, aproveitava para fazer propaganda dos jornais que comercializava, anunciando manchetes que não existiam e acho que nem a genialidade do Editor Geral de A NOTÍCIA, Bianor Garcia, talvez as pudessem criá-las. Nessa época, diziam que se expressem um exemplar do Jornal, dele escorreria sangue, tantas eram as manchetes sanguinolentas que conseguia produzir o seu Editor Geral, um homem baixinho e rechonchudo, mas genial.

Nem o maior historiador do esporte no Amazonas, Carlos Zamith, onde estiver entre as estrelas, contando suas histórias esportivas do seu Bau Velho para Deus, poderá me desmentir: outros clubes existem ainda hoje no Amazonas, mas o clássico mais famoso era, foi e será sempre entre as equipes do Rio Negro e do Nacional. Depois, se segue o confronto “Pai e Filho”, entre o Nacional e o Fast Club, que nasceu a partir de uma dissidência no Nacional.

Mas nada disso também tinha importância, porque no início da década de 70, eu era apenas um esguio jornaleiro de 28 quilos no máximo, que acordava às 4 da madrugada todos os dias, tomava Nescau, caprichosamente feito pela minha mãe, comia um sanduíche de pão com ovo e seguia rumo à parada para entrar no ônibus de madeira da empresa Ana Cássia. No meu destino, recebia do “Buraco” o jornal A CRÍTICA, na Rua Lobo D´Almada, por uma portinhola na parede, mas que parecia um buraco mesmo,(desconfio ser essa a origem de seu apelido da pessoa maravilhosa com convivi com admiração mútua, mas que nunca tive coragem de perguntar qual era nome de batismo, até os dias de hoje).

Depois, sempre caminhando com minha sandália havaiana aos pés, seguia  para um prédio um antigo e grande, localizado na Avenida Eduardo Ribeiro, onde também funcionava no segundo andar os estúdios da Rádio Baré e recebia o JORNAL DO COMÉRCIO e. por último, seguia para a Praça Tenreiro Aranha, no centro de Manaus, para apanhar o JORNAL A NOTÍCIA.

Se tivesse havido no dia anterior algum jogo entre Nacional e Rio Negro, não importando o resultado, eu pedia mais jornais e os vendia quase todos. Se tivesse carreata de bandeiras pelas ruas da cidade, uma tradição iniciada por integrantes da “Charanga”, a mais antiga torcida organizada que se tem notícia, seria melhor ainda porque eu tinha certeza que naquele dia, iria “bamburrar” em vendas! Se não os vendesse, podia devolvê-los ao X-9, um gordo e pançudo “empresário” dos jornaleiros, que nos aguardava sentado tranquilamente em um banco de madeira, no Pavilhão São José ou no Tabuleiro da Baiana  com seu fusca estacionado ao seu lado, entre ônibus e táxis que usavam democraticamente o mesmo espaço. “Boiar” era o termo usado entre os jornaleiros para definir  os jornais que seriam devolvidos. Todos eram recebidos e ninguém tinha nada a receber ou a pagar por eles. Era uma democracia estranha, baseada na confiança mútua.

Quando seguia para devolver os jornais, continuava mais uma vez a pé pelas ruas de paralelepípedos da Praça da Matriz, passando por entre palmeiras imperiais e vendo e passeando por trilhos de bonde que um dia circularam, mas seguia gritando “quem vai querer, quem vai querer” e anunciando manchetes que acho que nem o genial Editor Geral de A NOTÍCIA, Bianor Garcia, seria capaz de criá-las, como “pegou fogo na caixa d´água” ou “moça bonita não paga, mas também não leva” para as pessoas que estavam deixando seus empregos nas muitas lojas comerciais para almoçar em casa e retornar às 14 hs. Mas era tudo mentira que eu inventava, com minha mente criativa e criadora de um infantil de adolescente. Algumas pessoas compravam; outras, apenas riam e sabiam que era brincadeira de moleque e que nada daquilo eu anunciava a plenos pulmões. Seguia com meus jornais boiados  e prestar contas, só depois que o relógio municipal anunciava que o comércio começaria a arriar suas portas às 11:30 horas, seguido de um badalar de sino na Loja Central de Ferragens S/A, que funcionava na esquina das Ruas Thedoreto Souto com Marechal Deodoro que eu, em crônica chamei de O SINO DO SILÊNCIO, maestrado pelo seu proprietário à frente de sua loja, com a calça lá no alto da cintura,  presa a um cinto para que ela não caísse.

Nessa época não existia mais O JORNAL.

Dizem até hoje, porém, que lá trabalhavam só escolhidos a dedo pelo seu proprietário Henrique Archer Pinto, formando uma equipe de excelentes profissionais do jornalismo como os ainda hoje lembrados Ulisses Guimarães(falecido), Philipe Daou (empresário), Francisco Guedes de Queiroz (deputado, já falecido), Arlindo Porto (ex-deputado e governador do Amazonas em substituição),Castro e Costa (falecido), pai da apresentadora da TV A Crítica Babyrizzato. Fábio Lucena, senador do Amazonas (falecido), Almir Diniz de Carvalho (jornalista, escritor, cronista com excelentes obras publicadas), que ganhou o primeiro prêmio de jornalismo para o Amazonas e muitos outros que a memória não me permite lembrar, como eu gostaria. Mas presto tributo a todos, inclusive aos que esqueci seus nomes e que por ventura tenham trabalhado nessa “faculdade de jornalismo” porque até hoje o matutino “O JORNAL” é tido como a maior e melhor escola de formação e aperfeiçoamento de jornalistas que o Amazonas já teve e onde militaram muitos jovens idealistas, que depois se tornaram empresários, advogados, políticos importantes para a história do Amazonas, por várias razões e motivos. Dizem também, que todos os profissionais eram escolhidos pelo seu proprietário, mas não posso garantir que isso seja verdadeiro.

(#) (aluna do 7o período de comunicação da UFAM, autora da ideia dessa crônica, durante entrevista de mais de 3 horas em meu apartamento, sobre o bairro da Betânia, onde vivi minha infância e adolescência e me deixou profundas lembranças positivas em minha vida)

"MENINO JORNALEIRO"

O “menino jornaleiro” olhava para o alto e via tremular ao vento folhas de frondosas palmeiras imperiais; olhava para baixo e  visualizava, em suas lembranças, os trilhos de bonde que rasgavam a rua de paralelepípedo que enfeitava a Manaus de outrora.

Ah, quantos homens e mulheres apaixonados não devem ter sido transportados pelos bondes que o “menino jornaleiro” não chegou a vê-los!?

Nunca o “menino jornaleiro” há de saber por que tudo que ele escreve só ficou mesmo na sua imaginação de adolescente, pois as palmeiras, os trilhos de bondes, os paralelepípedos foram impiedosamente arrancados e deram  lugar ao “progresso” com a construção de uma grande estação de ônibus na Praça da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a padroeira.

Foi sob aos olhos da Padroeira de Manaus que o progresso chegou sem lhe pedir a bênção. O prefeito Jorge Teixeira de Oliveira, em nome do progresso, mandou arrancar tudo e colocou um asfalto negro, como negra era a noite que embalava o coração dos apaixonados que se dirigiam à Matriz.

Foi-se embora o romantismo e chegaram os problemas sociais que acompanharam o progresso! Prostituição, tráfico, ambulantes, bares e tudo o mais onde antes havia apenas zoológico, flores, palmeiras, trilhos de bondes...Ah, como era gostoso passear e tirar “retratos” na grama verde que cobria meu passado! Restaram apenas um relógio e um obelisco que marcaria o local da fundação da cidade.
Mas, hoje, vá saber se foi o local exato da fundação de Manaus, mesmo?

Desconfio que lá não tenha sido porque uma cidade não surge com local demarcado, com certidão de nascimento e tudo. As pessoas simplesmente chegam, constroem suas casas e depois se procura um local para registrar, na história, onde teria se iniciado.  Só que no Marco Zero existe uma única edificação. Como ter certeza que Manaus surgiu naquele local mesmo? Não teria sido em outro?

O “menino jornaleiro” caminhou muito pela Praça da Matriz, o tabuleiro da baiana, o pavilhão São José, na década de 70. O menino sempre volta a esses locais para reencontrar sua juventude perdida, mas não a reencontra porque ela também se foi sem lhe ,dizer adeus!

Simplesmente se foi para dar lugar a um progresso que invadiu sua bucólica Manaus de apenas 270 mil habitantes para dar lugar aos graves problemas sociais em uma cidade de 1,8 milhões de habitantes.

Fica atônito, meio abobalhado e começa a recordar os ônibus de madeira que estacionavam de um lado e do outro do Pavilhão José! Eram duros, pulavam muito, mas pertenceram a uma época romântica de uma cidade que se viu sendo destruída pelo progresso!

O menino não era contra o progresso, até por que o sabia inevitável, mas este deveria ao chegar, ao menos, vir de uma forma ordeira, planejada e não desplanejada como chegou, destruindo tudo e não permitindo sequer que a geração de hoje relembre pelo menos, como era linda e bucólica a Manaus que o “Menino Jornaleiro” conhecera em 1969 a vira sendo destruída aos poucos.

Primeiro arrancaram as palmeiras, depois os trilhos de bondes, logo em seguida todos os paralelepípedos. Aliás, onde foram replantadas ou recolocadas todas as lembranças do menino jornaleiro?

Ah, que saudades sente do chafariz que existia em frente ao Olímpico Clube, retirado para dar lugar também à implantação de um projeto de corredor de ônibus pela antiga João Coelho, e nunca mais fora reencontrado!

Ah, tudo isso o “menino jornaleiro” sente falta hoje em suas lembranças e em seu coração! Foi um pedaço da história que foi arrancada, mas permanecerá viva em sua memória do menino que se tornou cronista!

COPA DO MUNDO DE 70 NA IMAGINAÇÃO DE UM MENINO

- Quem vai querer picolé, quem vai querer picolé no palito!

Menino franzino carregando meu corpo magro de 10 anos de vida, com no máximo 28 quilos em peso era eu, transportando pelas Ruas do Morro da Liberdade, uma caixa cheia de picolé bem posiciona em meu frágil mais determinado ombro esquerdo, nos idos dos anos 70. À caixa, havia um pano enrolado a apoiá-la e era proporcional ao meu tamanho de menino franzino!

- Ei menino, venha aqui!

Entrava eu espantado com aqueles homens falando coisas que não entendia: “hoje o Brasil vai destroçar com o fulano..., “depois vai arrasar sicrano...”. E eu imaginando que uma nova guerra mundial que estava se iniciando e que, mais uma vez, o Brasil tinha entrado na luta. Guerra, só causa destruição no início e, muito tempo depois, começam a surgir evoluções em várias áreas, sobretudo nas da medicina e na de tecnologia, as que mais se aproveitam com o horrores da guerra.

Só eu não sabia disso naquela época. Em Manaus, ainda não havia transmissão de TV, internet ou qualquer tipo de tecnologia das que existem hoje.

Certa vez, em visita a meus avós, lembro-me ter presenciado a avó chorando porque escutara pelas ondas do rádio, no interior do Varre-Vento, que o homem chegara e pisara em solo lunar, em 1969! Lucilla dizia que o mundo estava para acabar, que era impossível um homem chegar à lua,  quando mais pisá-la em local que tantos sonhos alimentara dos poetas no passado, presente e ainda os alimentará no futuro.

Lembro-me, também, que para melhor ouvir a transmissão pela emissora de rádio, todo construído  em madeira com uma tela na frente, acho que pela Rádio Nacional,  minha avó pedira ao meu avô para fincar no terreiro do quintal duas varas e de uma ponta a outra, amarrar um fio de arame e, no meio, fora colocado outro fio para funcionar como se fosse uma antena para sua melhorar audição. Não sei se minha avó chorava pela proeza ou porque haviam conseguido pisar no solo que embalara muitos poetas!

Devido à ênfase que davam as palavras nos bares em que entrava, pensava que a III Guerra Mundial tinha começado e eu não estava sabendo de nada! Como podia sabê-lo sem qualquer tipo de comunicação naquela época, a não ser as ondas do rádio, que minha família não podia adquirir?!!!

Muito mais tarde vim, a saber, que estávamos em plena Copa do Mundo de 70, ainda na sua nona edição, entre 16 seleções, sendo nove européias, União Soviética, Bélgica, Itália, Suécia, Inglaterra, Romênia, Tchecoslováquia, Alemanha Ocidental e Bulgária, cindo americanas, México, El Salvador, Uruguai, Brasil e Peru, uma asiática, Israel e uma africana, a seleção do Marrocos.

Mas em minha inocência infantil, nem desconfiava que os homens falassem sobre a Copa do Mundo! Também, como já afirmei, não existia televisão em Manaus; só rádio naquela época, e em pouquíssimas casas, só na dos afortunados, como definíamos todas as que possuíam muito dinheiro, ou nem tanto assim!

Nos jogos que eram disputados no México, todas as seleções, que eu imaginava ser uma guerra, estavam jogando nas cidades de Guadalajara, León, Cidade do México, Puebla e Taluca,

Muito mais tarde, viera eu saber que para a Copa de 70,  promovida no período de 31 de maio a 21 de junho, em pleno Regime Militar no Brasil, foram convocados Pelé, Jairzinho, Tostão, Rivelino, Gérson, Clodoaldo,  Carlos Alberto Torres, e Piazza, estrelas da copa de  1966, além de outros tantos reservas.

Nas semifinais da Copa, ocorreu o chamado jogo do século, disputado entre as seleções da Alemanha e Itália e, aos 90 minutos, Karl-Heinz Schenellinger empatou a partida e levou o jogo para a prorrogação, quando as duas seleções duelaram em uma sucessão de virada de placar, até que a Itália vencera a Alemanha por 4 X 3, única partida da copa a ter cinco gols,  e na prorrogação, segundo registros históricos.

E eu lá sabia disso quando vendia picolés pelas ruas de Manaus,  em minha inocência infantil. Também desconhecia que a Seleção brasileira, que vencera todos seus jogos na fase eliminatória, era uma das favoritas, razão da euforia dos homens à mesa do bar! Só soubera desses fatos mais tarde! Se soubesse disso naquele tempo, quando vendia picolés nas ruas da cidade, andando sempre a pé, com minha já tradicional sandália havaiana ao pé, certamente teria entrado na conversa dos homens, com certeza, se permitissem a um menino que não sabia de nada, dizer alguma coisa! Mas além de inocente, meu pai me ensinara a respeitar os mais velhos, fossem quem fossem, onde quer que se encontre!

A final da Copa do Mundo da Fifa de 1970 foi disputada pelo Brasil, que vencera os jogos contra as seleções do Uruguai e Peru. A seleção da Itália eliminara as seleções da Alemanha Ocidental e do México. A partida final foi realizada no dia 21 de junho no Estádio Azteca, na cidade do México e o Brasil venceu por 4 X 1, depois de um primeiro tempo empatado. A “guerra” entre as seleções terminara e a taça Jules Rimet, veio para o Brasil para, depois ser roubada e derretida pelos ladrões.

Nos mesmos bares e em vários outros também, depois do dia 21 de junho, passei a ouvir à música “Guadalajara/Mora em meu coração...”  e  “cem milhões de corações/ todos com bandeiras na mão...” Em minha inocência de picolezeiro, eu lá sabia o que era uma Copa do Mundo, como escreveu o cantor Sérgio Souto em  sua  música, “Albatroz”... “eu lá sabia o que era um albatroz” e quanto euforia contida poderia ser liberada!

Hoje, sinto saudades! A molecada inocente se divertia com essas coisas que pareciam ser bonitas. Mas era só o Governo Militar fazendo uso político do tricampeonato de forma invicta conquistado pelo Brasil,  para permanecer um pouco mais no poder, enquanto os revoltosos protestavam em Universidades e outros lugares onde pudessem se reunir na clandestinidade!­

CASA VAZIA!  (para Carlos Costa Filho)

Com o início de sua aula em tempo integral, uma sensação de vazio invadiu o  apartamento, ocupou sua cama e estou sentindo a falta de sua presença adolescente, rebelde...Na hora do almoço, mudava o canal da TV para assistir ao seu programa de esportes favorito. Você conhece muitas coisas sobre esportes porque procura na internet e, algumas vezes, me surpreende com perguntas que não sei responder-lhe. Eu, porém, acumulei sabedorias da vida e conhecimentos adquiridos em livros que estudei!

Na minha época de adolescente de 17 anos não existia internet, televisão de LED, celular ou qualquer outra tecnologia. Lia-se tudo em livros nas Bibliotecas Pública do Estado ou na do SESC da Rua Henrique Martins, as quais frequentava com frequência. Na do SESC, onde almoçava e jantava, a usava para ler e descansar após o almoço em bandejões, aproveitando para atualizar minhas áreas de interesse: a literatura. Procurava sempre livros de poesias ou crônicas e me surpreendi uma lendo um poema do falecido ator Cláudio Cavalcante, que protagonizou a novela Global IRMÃOS CORAGENS, do início da década de 70, e outras novelas que fez depois. Eu era fã do ator e até deixei o cabelo crescer porque o dele era pouco grande, mas liso; o meu, cacheado, mas passei treze anos sem cortá-los junto com a barba. Recortava fotos de Cláudio Cavalcante em revistas e  as colava com cola Polar em livros escolares, na porta do guarda-roupa, que dividia com meu irmão Nilberto Costa. Cláudio Cavalcante era meu ídolo de adolescente, mas não me pergunte a razão que não saberei lhe explicar, só sei que eu era fã dele e pronto, como dizem os adolescentes, sem dar muitas explicações.

Agora, ando pelo corredor de nosso apartamento, passo pela pota de seu quarto, olho para dentro e sinto falta de você. Sua cama está sempre arrumada para quando você voltar cansado e extenuado de sua aula. Depois, entro na suíte e olho pela janela, uma grande piscina azul cheia de cloro, com pessoas se divertindo. Muitas vezes, em suas férias,  frequentava-a também. Colocava uma toalha no ombro dizia: “pai, vou para a piscina” e ainda tenho a ilusão de que você ainda possa estar nela, conversando com alguma garota de sua idade, mas não o vejo e noto que estou sozinho com minha solidão e sentindo falta de você. É...meu filho, nunca pensei que sentiria falta de suas agressividades momentâneas de um adolescente rebelde sem causas. Mas sinto, sim!

Sinto falta de você almoçando na mesa, de você gritando que sou um doido, de você pedindo cinco minutinhos para continuar dormindo, depois de uns 6 meses de aula, ou nos primeiros dias de aula, acordando cedo, sozinho e chamando sua mãe às 6 hs da manhã, para levá-lo à escola, apontando no relógio e dizendo “estou atrasado”. Depois de uns seis meses de aula, as coisas se invertem e passa a ser sua mãe lhe dizendo que está atrasada e você continua dormindo pedindo, cinco minutos para continuar dormindo, passando dos cinco para trinta minutos de dormida, só para irritar sua mãe que fica nervosa e lhe chamando. Agora, com novo local de sua escola em tempo integral, no centro de Manaus, esse prazo para continuar dormindo, ficará impossível! Esse é o último ano de sua formação e não poderá descuidar porque, aos seus 17 anos, terá que decidir por uma profissão para o resto da vida ou mudar depois de ingressar em qualquer na Faculdade. Meu filho, você viverá ou já está vivendo um drama que também passei: que profissão escolher? Na minha época de adolescência, como comecei muito cedo a trabalhar e ter responsabilidade vendendo jornais, ganhei gosto pelo jornalismo. Identifiquei-me e segui a opção tranquilamente. Mas para aliviar seu drama de ter que optar por alguma profissão lhe contarei um segredo: meu pai adotivo, Theomário Pinto da Costa médico por vocação, pediu-me que seguisse a carreira de medicina. Mas o enganei e segui comunicação porque desde meus 14 anos quando escrevia inocentes versos para me tornar popular com as garotas do Grupo Escolar Adalberto Vale e os publicava no jornal interno “O Pirilampo” para vencer minha grande timidez. Depois de ouvir minha explicação maluca que criei na hora, o Dr. Theomário, ele olhou para mim e perguntou: “Mas você não disse que havia feito para Medicina! Como é que passou para Comunicação Social? Eu o apoiarei no que precisar, mesmo assim!” Não precisei porque voltei para a casa de meus pais biológicos e eles ficaram orgulhosos porque fui o primeiro dos 9 irmãos que compunham a família biológica, a cursar uma Faculdade, aos 18 anos. Depois, outros seguiram o caminho, inclusive o Nilberto, que é formado em duas faculdades e o Roberto Costa, que cursou Contabilidade e hoje faz meu Imposto de Renda! Passei a ter horror de sangue desde que meu pai adotivo passou a levar-me para a Faculdade de Medicina onde era professor e me deixava com seus alunos. Por isso, decidi não fazer medicina!

Mas meu filho, estou escrevendo isso para dizer que você pode seguir o caminho que quiser, fazer o curso que quiser, porque o importante e que seja feliz e faça tudo com respeito, ética e responsabilidade, em qualquer que seja a profissão que venha a escolher. Mas, não esqueça do exemplo de seu pai - jornalista e assistente social - e de seu avô materno, advogado Francisco Guedes de Queiroz, mas que dedicou a vida à política, sua grande paixão. Faleceu pobre depois de 26 anos de mandato parlamentar e a casa que residira até sua morte em uma cirurgia cardíaca em São Paulo, foi quitada com o seguro habitacional.

Siga os exemplos, meu filho e seja feliz. Eu e sua mãe Yara Queiroz, sentimos sua falta,  percebemos que o apartamento ficou vazio sem sua presença, mas vai será bom para você., no futuro: suportaremos porque um ano passa rápido demais para nós, que já dobramos o “cabo da boa esperança”;  talvez para você, estudando o dia todo, demore uma eternidade! Ah, como você nos faz falta, mas sabemos que amanhã você será feliz com a carreira que escolher livremente. Se for direito ou outra qualquer, o importante é que se dedique e cumpra eticamente suas atividades, porque o mercado exclui os profissionais incompetentes, selecionando apenas os bons. É isso que desejamos para você, filho nosso!. Mas se for para seu bem, seu futuro e sua felicidade, aguentaremos o silêncio em que se tornou nosso apartamento, com seu quarto vazio das 6 horas até as 18:30 horas, quando você volta da aula. Faremos tudo para que você seja feliz, mesmo eu participando pouco de sua vida há pelo menos 9 anos, dos quais pelo menos sete sendo submetidos a cirurgias e ficando até 90 dias dentro de hospitais, internado. Seja feliz, meu filho, mesmo com a casa vazia. Um dia ela ficará cheia de seus colegas da faculdade de novo e isso é o que desejamos para você.

O CHORO TRISTE DA FLORESTA AMAZÔNICA!

Horas há em que a Floresta Amazônica chora, inundando os Rios Negro e Solimões que, sem pedir licença, invadem as ruas das cidades. É um protesto silencioso, um pedido de socorro talvez, só para ver se alguém escuta o soluço copioso brotando das entranhas da floresta saindo das raízes e das copas de suas árvores,  em forma de fumaça também. Se nada for feito para socorrer seu lamento triste, estará próximo seu desaparecimento e será horrível para seus habitantes.

Horas há que ao contrário de chorar copiosamente, manda o sol inclemente sugar suas lágrimas, deixando à mostra apenas uma terra nua e seca, por onde antes deslizavam suavemente os  frondosos leitos dos Rios Negro e Solimões, como pedindo socorro contra os incautos e gananciosos exploradores, irresponsáveis e insensíveis também!

Ah, minha floresta, o que estão fazendo com você? Poderiam muito  bem explorá-la  em suas riquezas sem destruí-la em sua pujança de biodiversidade mas, ao contrário,  preferem destruí-la para depois chorar sobre “leite  de seu látex derramado” ou “sobre o roubo realizado” desde o século XIX quando um “botânico” passou por aqui, entrou em suas entranhas e roubou de suas mães,  suas filhas, as sementes de seringueiras e as deu de presente ao Rei da Inglaterra, que mandou plantá-las na Malásia e tornou um caos a economia do Amazonas!

Ah, minha floresta, tão subtraída, tão desprezada, tão maltratada, embora como uma mãe zelosa, sempre acolhe a todos que lhe desejam conhecer e conhecendo-a, exploram-na de forma criminosa, irracional e também irresponsável! Como sangue de cores do pau-rosa em toras levado para a França para fixar perfumes e cores negras de suas queimadas, as lágrimas da floresta parecem que são invisíveis aos administradores públicos.

Ah, minha floresta! As outrora águas preocupantes que banham as cidades causando preocupações, estados de calamidade pública e muito dinheiro gasto para a limpeza do lixo deixado pelos homens, ou quando a floresta chora ou também quando secam devido ao sol enxugar suas lágrimas pela parceria da floresta com o Rei, é apenas o resultado de sua progressiva destruição lento, gradativa, mas de forma constante.

Quando as águas dos Rios Negro e Solimões despejaram suas revoltas impiedosas nas cidades do interior e depois secarem completamente e só deixando aparecer os dentes de peixe em suas terras nuas e as vértebras e esqueletos que nos alimentava com fatura mas que agora são jogados no lixo todo o excedente, foi apenas a forma de protestar que a Floresta Amazônica encontrou, se defendendo  das agressões que vem sofrendo, com muito lixo jogado em suas veias que não transportam vida; apenas, morte em forma de lixo, muito lixo, mas parece que ninguém entende o seu pedido de ajuda desesperado.

Ah, quem escutará um dia minha floresta amazônica em seu canto triste e penoso, sem ser um canto belo de sereia, que encanta os náufragos? Não sei! Não sei!

Ah, minha floresta, até quando....?

SACO DE PAPEL PARA GUARDAR PEIXE

À Josefa Bezerra da Costa, minha mãe!
Encontrar construções novas para pedir doação de sacos vazios de cimento era uma coisa que fazia com muito prazer e orgulho. Depois, em casa, eu e minha mãe Josefa, virávamos todos no lado avesso e produzíamos sacos de papel para guardar peixe. que eram comercializados na área reservada para a venda desses produtos regionais,  no Mercado Adolfo Lisboa, em Manaus, no início da década de 70.

Depois das 10 horas da manhã, quando um sino era tocado no Mercado, o preço dos peixes e carnes baixavam até à metade a procura pelos sacos aumentava muito, porque os compradores deixavam para adquirir o produto depois desse horário! Eu aproveitava e era tal de saqueiro pra lá e saqueiro pra cá e eu adorava essa muvuca de forma organizada!

Eu gritava: “olha o saco para colocar peixe, quem vai querer saco!!!” e passava em frente às bancas. Talvez alguém comprando peixes adquirisse um saco para colocá-lo dentro. Muitas vezes o dono da banca de peixe gritava forte “saqueiro” e o eu atendia rápido.

Era comum se embrulhar ou depositar peixes em sacos de cimento, até o final da década de 70 quando começaram a aparecer os sacos plásticos. Mas, os que eram comercializados no mercado, eram mais resistentes e suportavam peso, se fossem bem feitos, e isso eu e minha mãe sabíamos como fazer, virando-os do lado avesso, colando-os com “grude”,  espalhado com uma colher dobre todos ao mesmo tempo e o transformando-os em sacos limpos, próprios para receber os peixes, que eram  resultado da exploração aos pescadores, os atravessadores e aos próprios vendedores em bancas nas feiras e mercados, porque sempre um queria ganhar mais do que o outros, mas esqueciam que na fonte, o pescador sempre foi o mais explorado de todos!

Eu tinha opção: ou venderia sacos para guardar peixes ou ia trabalhar em uma fábrica que existia na esquina de uma rua acima da Avenida Adalberto Valle, onde residi no bairro da Betânia. Nessa época, com poucos conhecimentos de matemática ainda, eu calculava meu lucro fazendo o cálculo de quanto eu gastaria com passagem de ônibus para o mês inteiro e o que restava considerava meu lucro e depositava em uma caderneta de poupança na Socilar, que eu passei a ter a partir de meus 12 anos e acumulava tudo em cofres de lata que recebia após cada depósito.

Também fazia o mesmo com relação à venda de tudo que recebia, vendendo picolé, cascalho, jornal, engraxando sapato, ajudando a produzir na fábrica de picolé, vendendo velas em porta de cemitério, cascalho, etc. A tudo fazia com prazer e alegria, mas sem nunca abandonar meus estudos porque sabia que só através da frequência às aulas, poderia melhorar de vida.

O ritual de construir um saco para peixe a partir do saco de cimento era simples demais e minha mãe até sabia fazer: dos sacos de cimento se aproveitava só uma camada, eram virados do avesso para utilizar só a segunda capa que os enxertava antes do que receber diretamente o cimento. Ao mesmo tempo, todos eram arrumados em cima de uma mesa; passávamos cola branca em todos ao mesmo tempo. Em seguida, era só dobrar a cada um deles individualmente e passar a mão por cima de cada um para não soltar a cola com o peso do peixe. O grude, como era conhecida a mistura, se produzia feito com goma, água e levada ao forno para ferver até dá o ponto exato de “cola” e passava-se de uma vez em todos com a costa de uma colher ou pincel e estava pronto um saco confiável e ecologicamente correto!

Pronto, estava feito o saco para peixe!

AH, OS APOSENTADOS, POBRES E DESVALIDOS APOSENTADOS!

A falta de critérios técnicos para a concessão de benefícios previdenciários, aliado à falta de uma política perene e confiável no reajuste do que recebem os aposentados, estão empurrando para um nível perigoso e preocupante esses bravos brasileiros que quando, se aposentavam recebiam 2, 3 ou até mais valores em salários mínimos e agora passam a contar seus míseros trocados e, se quiserem, que entrem na Justiça para reaver as perdas salariais de seus benefícios previdenciários. Isso é um horror!

Enquanto uma larga parcela entra na faixa de consumo, através de Programas Governamentais como o Bolsa Família e outras políticas  de distribuição de renda, os aposentados estão sendo excluídos dessa mesma classe em razão dos reajustes de suas aposentadorias, benefícios e outros proventos nunca acompanham os mesmos índices de reajustes por exemplo, para o salário mínimo, com ganho reais.

A solução desse problema parece estar exatamente na permanência do  fator previdenciário, que sempre joga para baixo os valores de aposentadorias e que de há muito já deveria ter sido abolido e estabelecida uma política séria e confiável como a que foi feita para o salário mínimo com a reposição da inflação e mais ganhos reais. Não uma que mude todos os anos, a bem de quem estiver no Poder. Entendo que esse assunto já deveria ser cláusula pétrea da Constituição e não ficar sendo definido a cada ano, a cada governo como se os aposentados fossem pessoas invisíveis e caminhassem anônimos no meio da multidão!

Será que os aposentados devem continuar sendo tão discriminados desse modo? Será que eles já não contribuíram tanto quanto os outros também contribuirão? Ou será que ou aposentados se transformaram em lixos descartáveis que não servem mais nem para ser reciclados? E os salários deputados e senadores, que são reajustados ao bel prazer deles? E o que dizer das gratificações de gabinete, dos auxílios paletó, de deslocamentos, de moradia mesmo para os que se elegem na Capital da República? E o que dizer das fraudes que continuam acontecendo contra a Previdência Social, porque não coíbem as fraudes e documentos que deveriam ser públicos são negociados no centro de São Paulo, em plena luz do dia!

Será que os deputados federais são tão diferentes dos aposentados, pobres velhinhos e que enxergam os valores de seus benefícios se destinarem ao ralo da podridão do poder?

Os programas partidários estão sempre em defesa dos aposentados mais na prática mesmo, nenhum partido até agora faz nada de concreto, em termos práticos. Nenhum partido político apresentou um único projeto sério e confiável estabelecendo critérios para os reajustes para os aposentados, equiparando-o ao salário mínimo que além de receber toda a inflação, ainda recebe de presente reposição real de salário!

Isso é terrível, massacrante e desesperador para a classe de aposentados e pensionistas da Previdência Social, que sempre vê impotente o achatamento do valor inicial de seus benefícios e aposentadorias!

A VIDA NOS TROTES DE UM CAVALO...

Momentos de minha vida recente ressurgiram junto com o trote compassado e leve de um cavalo que transportava a criança em uma aula de eco-terapia, quando transpus o muro do quartel do Batalhão da Cavalaria da Polícia Militar “Coronel Bentes”, em Manaus, quando fui solicitar doação de sangue à voluntários do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças – CEFAP. Relendo placas na parede, revi nomes de pessoas com as quais convivi, como os então tenentes Mael Rodrigues de Sá, Ferreira Lima, Edson, Costa, o “Costinha”, o militar mais civil que conheci, Hilmar dos Santos Faria, Élson Mota, Assante, Henriques, Bonates, Bentes, Benfica, Correia, aspirantes Sirothoau, Paulo Roberto Castelo Branco, Paulo Roberto, comandantes de OPMs,

O  1º Batalhão, ficava em Petrópolis; a Rádio Patrulha, na Duque de Caxias; Polícia de Trânsito, dentro do prédio do CG na Praça Heliodoro Balbi, depois ao lado da Rádio Patrulha; a Polícia de Guarda, na Duque de Caxias, se unindo por trás à RP. Alguns faleceram e outros que seguiram carreiras, chegaram ao posto máximo de tenentes-coronéis e foram nomeados comandantes gerais da PM. Os vivos, mas não sei onde andam. Só tenho notícias boas sobre eles! Mas fui esquecido por eles!

Os tenentes Mael e Ferreira Lima, em momentos diferentes,  comandaram à temida PP-2, uma divisão de repressão da PM no fim da década de 70 e início de 80, com todos seus membros andando disfarçados. Nesse período, todos os comandantes da Corporação Polícia Militar eram sempre originários das fileiras do Exército Brasileiro. Convivi com coronéis Mário Perelló Ossuoski, Wilson Ribeiro Raizer, Henriques Lustosa e outros que vieram depois até ser nomeado o primeiro coronel PM, Élcio Mota, quando deixei de ser credenciado e publicar em A NOTÍCIA, informações oriundas da Polícia Militar.

No dia 30/06/79, recebi diretamente das mãos do então chefe da 5ª Seção de Comunicação, em plena ditadura militar, do tenente Alfredo Assante Dias, uma Credencial que ainda a guardo comigo, no qual se lia no verso “SOLICITO AOS COMANDANTES DE OPM O APOIO NECESSÁRIO PARA O QUE O MESMO POSSA EXERCER SUAS ATIVIDADES PROFISSIONAIS”.  em plena continuidade da Ditadura Militar, que me permitia livre acesso a todas as ações executadas pela PM. Naquela época, acompanhei e escrevi sobre as execuções pela temida PPD-2, das quadrilhas do Padeirinho, Alan, X-9, Abílio e outras consideradas perigosas na época de uma Manaus ainda pacata de pouco mais de 700 mil habitantes e tranquila, com lembranças vivas de um secretário de segurança que permitia que se dormisse de janelas e portas abertas. 

Quando o tenente Assante assumiu a diretoria do Detran-Am, o tenente Correia fio levado com ele para ser o examinador de direção e decidi tirar pela primeira vez a CNH, no dia 21/03/1979 e o tenente me conheceu, se espantou e me pergunto o que tinha ido fazer ali. “Vim fazer prova de rua!”! Respondeu-me, brincando: “E tu ainda faz exame de rua? Passe no dia tal no Detran-Am, para receber sua CNH”. Isso se deu e eu estava habilitado. Era verdade, eu já tinha dirigido até para o diretor do Detran-Am, inclusive subindo a ladeira da Rua Tapajós, onde eram feitos os testes de rua para se receber a CNH, porque ele não dirigia carro!

Mas não sei quem inventou que o “o para sempre” é como um relâmpago em nossas vidas porque nada dura para sempre e o “para sempre” é mais uma utopia linguística que nos faz acreditar que a vida será eterna, como a morte a será por certo. Nas patas do cavalo que trotava em uma aula de eco-terapia, relembrei nitidamente quando estacionava meu velho fusca amarelo ao lado e entrega no CG, com um guarda sempre à porta para quem eu dava continência e ele batia as botas em resposta ao meu  cumprimento. Eu, mesmo a despeito de usar um cabelo longo, barba comprida e uns óculos pequenos e redondos, estilo John Lennon, que conferia a mim o aspecto meio desleixado e alguns estudantes da época dizendo que eu era um “comunista” ou dedo duro da ditadura ou agente da repressão em razão de meu aspecto ser igual a todos os integrantes da temida PP-2, comandados pelo tenente Mael Rodrigues de Sá e depois pelo tenente Ferreira Lima, fossem como eu era também.

Nessa época, publiquei a matéria e guardei a fonte, informando apenas, em letras garrafais “JOSÉ LINDOSO, PRESO NO PALÁCIO DO GOVERNO, ROUBANDO TOALHAS”. O jornal vendeu muito nesse dia, mas deu problemas porque no dia seguinte o Secretário de Comunicação Social, poeta Elcio Farias apareceu em A NOTÍCIA querendo saber qual era a fonte da informação e por que já havíamos escrito a manchete associando ao nome do governador do Estado. Em todas as Delegacias de Polícia da época, vi essa matéria colada nas paredes. Daquele dia em diante, foram proibidos aos jornalistas informações desse tipo.

Com muita saudade relembro companheiros valorosos como Oscar Carneiro, com certa idade, de quem eu adorava ouvir histórias da imprensa do passado, já com certa idade, e Francisco Pacífico, por apelido de “Cachacinha”, que faleceu vítima de cirrose hepática, ambos do Jornal do Comércio e já falecidos. O primeiro, ha mais tempo na imprensa, me contava que havia dormido no “casarão da Rua Marechal Deodoro”, em cima de rolos de jornais, só para pegar notícias policiais fresquinhas com o Sr. Jióia e dar “furo de reportagem”, nos outros jornais. As ocorrências eram todas registradas em um grande livro. O outro, o Pacífico, só queria que chegasse o final de semana para “tomar uma”. O jornalista Oscar Carneiro se dizia apaixonado pela secretária do tenente Alfredo Assante Dias, e fazia muitas brincadeiras com ela! Tudo era mesmo brincadeira porque o Oscar era uma pessoa muito séria!

Relembro com saudades quando fui iniciado no dia 19/08/89,  elevado e o dia 31/05/90 e exaltado ao Grau 3 na Loja Maçônica Manaus 28 por convite do então companheiro de Rotary Clube do Distrito Industrial, George Mendonça Marques, que reunia alguns empresários do DI. Lembro-me de ter sido convidado pelo empresário Cristovão Marques Pinto, mas convivi ao lado de companheiros como Otto Fleck, Sérgio Witte Gueiller, diretores da Gradiente, Francisco de Freitas Rola, que fazia questão de se apresentar como “Rola” e todos riam o economista José Fernando Pereira da Silva, o “Zica”, com quem brincava sempre que “amor de Zica, onde bate fica”, Nizardo Rebouças Chagas no fim da década de 70...além de outros que não recordo mais porque os anos e as onze cirurgias no cérebro não permitem uma memória tão prodigiosa como já o fora no passado!

Hoje não frequento mais nada...mas lembro com saudades! Depois, no Lions Clube de Manaus Centro, com o empresário José dos Santos Azevedo; Uirapuru, com Rosedilson Lopes de Assis...

E tudo isso recordei na ponta de meus dedos quando parei para olhar um menino sendo conduzido por três terapeutas em uma aula de “eco-terapia”, em volta do quartel. Ele mudando a bola de uma mão a outra, se equilibrando no dorso do cavalo, ao lado de três instrutores e minha vida passada recente se descortinando nos passos daquele cavalo que trotava lento, como se estivesse quase parado, como está parada a ajuda à Cavalaria Coronel Bentes para construir baias cobertas que permitirá o aumento do número de alunos, independentemente do tempo sempre inconstantes que ocorre em Manaus.

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Leitura de acesso da matéria: 157.251

3 comentários:

Carlos Costa disse...

Muito obrigado pela postagem, companheiro.

Anônimo disse...

Foi um prazer estas leituras. falam de fatos reais, de vida, de vivencias. Isso é bom, muito bom.Conceição Gomes

Anônimo disse...

Foi um prazer estas leituras. falam de fatos reais, de vida, de vivencias. Isso é bom, muito bom.Conceição Gomes