terça-feira, 22 de março de 2016

Para sempre

Autor: Willes S Geaquinto

Dolores, filha única de Dona Conceição, era considerada a moça mais formosa de Três Pontas e adjacências.  Nos bailes no clube da cidade os rapazes competiam para dançar com ela. Porém, Dona Conceição, que era viúva, sempre acompanhava a filha, marcando de perto aqueles mais afoitos que se aproximavam para convidá-la. Como na cidade todos se conheciam, fazia questão de afastar da filha aqueles que ela considerava como “fiteiros”; os que só queriam passar tempo sem compromisso sério.
Dolores tinha vinte e dois anos e esbanjava graça e beleza, era clara, tinha cabelos louros, os olhos esverdeados e mais ou menos um metro e setenta e altura. Tinha estudado um tanto e só parou para ajudar a mãe na administração da fazenda que o pai deixara ao falecer. Ainda não tinha namorado e reagia com indiferença aos rapazes que a assediavam, apesar de alguns pertencerem a famílias importantes da cidade e serem considerados bons partidos.
Embora a mãe fizesse questão de protegê-la, Dolores não era assim tão frágil, já que boa parte do serviço da fazenda era quem comandava. Os empregados a respeitavam muito, pois, como crescera sempre acompanhando o pai, aprendera como tudo funcionava na propriedade. Além de café e milho, a fazenda produzia leite e também criavam cavalos de raça.  O capataz chamava-se Sebastião, um caboclo forte e dedicado, de um metro e noventa de altura que trabalhava e morava com sua família nas terras da fazenda desde que o pai dela ainda era vivo. Praticamente Dolores e Tião, como a família o chamava, tocavam a fazenda a contento, enquanto Dona conceição cuidava dos outros afazeres.
Próximo à festa de Padre Victor, foram até a cooperativa dos cafeicultores para acertar a participação deles na cavalgada a ser realizada em homenagem ao padroeiro da cidade. Chegando lá o gerente da cooperativa os apresentou a Dionísio, um engenheiro agrônomo recém-formado, vindo de Viçosa para prestar assistência técnica aos cooperados. Enquanto Tião foi tratar da cavalgada, Dolores e Dionísio entabularam uma conversa como se já se conhecessem há muito tempo, o que não passou despercebido ao Tião que na volta para a fazenda comentou com Dolores:
— Uai, você já conhecia aquele moço?
— Não, foi a primeira vez que eu o vi. Achei-o bastante simpático e parece que é bem entendido na profissão dele.
— Ah bom, então vocês conversaram sobre a fazenda?
— Sim, o que mais poderia ter conversado, homem?
— Nada, apenas perguntei...
— Ele ficou de ir à fazenda fazer uma visita técnica um dia desses...
Tião, mudando de assunto, contou que estava tudo certo para participarem da cavalgada; disse que iriam com mais alguns empregados representar a Fazenda Bela Vista no evento.
Quando chegaram à fazenda Dona Conceição perguntou por que demoraram tanto tempo na cooperativa. Então Tião explicou sobre os acertos da cavalgada e Dolores contou que conhecera o novo engenheiro agrônomo da cooperativa. Ela ouviu e prestou atenção ao entusiasmo da filha ao falar do rapaz. Depois perguntou ao Tião sobre o tal agrônomo, ao que ele respondeu reticentemente:
— Parece ser muito estudado e entendido da profissão, e é bem recomendado pelo povo da cooperativa. A Dolores conversou um tempo com ele e foi só.
Meneando a cabeça deu por encerrado o assunto. Depois passou a conversar sobre os preparativos da cavalgada no dia da festa do Padre Victor, do qual era devota fervorosa.
Desde a manhã em que conhecera Dionísio na cooperativa, Dolores volta e meia lembrava-se do rapaz, dos seus modos educados e da sua simpatia. Parecia que alguma coisa dentro dela estava despertando, só que não sabia bem o que.  Chegou até sonhar que cavalgava com ele pelas terras da fazenda...
Chegado o domingo da festa, Dolores acordou cedo e foi com o Tião preparar os cavalos. Depois de tomar um café reforçado, eles seguiram em direção à praça da igreja de Nossa Senhora Aparecida, local de onde partiria a cavalgada que, depois de percorrido uns sete quilômetros, iria findar em uma capela de um bairro rural denominado Faxina onde, segundo contam os devotos, o santo padre tinha o costume de rezar.
Tão logo chegou ao local, Dolores observou com certo contentamento que lá estava o Dionísio montado num cavalo branco de belo porte, aproximou-se dele e comentou:
— Não sabia que você também gostava de montar a cavalo...
— Eu fui criado numa fazenda onde a minha diversão preferida era cavalgar...
— Interessante eu também gosto de passeios assim...  
Deu-se início à cavalgada e os dois seguiram lado a lado, com Dolores montada em seu cavalo predileto, um puro sangue lusitano preto, raro na região, que ela tratava com muito desvelo. Mais atrás o Tião observava com certo gosto o casal cavalgando juntos, apesar de saber que Dona Conceição talvez não fosse apreciar a novidade. Na verdade, ele nunca tinha visto Dolores tão à vontade como ao lado de Dionísio.
— Isso vai dar o que falar, pensou Tião...
Ao entardecer quando regressaram, Dolores e Dionísio se despediram alegremente, com a promessa de brevemente ir visitá-la na fazenda.
Mal a semana começou, os comentários sobre o casal já corriam à solta pela cidade, por isso Dona Conceição chamou o Tião para conversar:
— Então Tião, é verdade que os dois não se largaram durante a cavalgada?
— Eles cavalgaram juntos e lá na Faxina também ficaram proseando...
— E você percebeu se ela estava interessada no rapaz?
— Aí isso eu não sei, só sei que pareciam bem animados, acho que a senhora devia conversar com ela sobre esse assunto, eu não tenho muito que comentar...
— Está bem Tião, vou conversar porque já tem gente falando que eles estão namorando...
— A senhora sabe que o povo fala demais, não é mesmo?
— É eu sei, mas fico preocupada...
Quando Dona Conceição acabou de falar, Dolores entrou na cozinha...
— Do que tanto conversam vocês dois?
Tião só deu um resmungo e tratou de sair, deixando as duas sozinhas. A mãe então falou:
— É que eu estava preocupada como falatório sobre você e o agrônomo da cooperativa, dizem que vocês não se largaram durante a cavalgada...
— Ora mãe, o povo fala o que quer, nós apenas ficamos juntos e conversamos muito, o Dionísio é uma pessoa bastante interessante, daí a boa prosa...
— Boa prosa? Então foi só isso?
— E o que mais poderia ser? Conversar faz bem, o povo daqui é que é muito xereta!
E assim, tudo ficou até na terça-feira, quando logo cedo Dionísio apareceu na fazenda onde foi recebido por Dolores e pelo Tião. Trocaram cumprimentos e depois o levaram para conhecer a fazenda. Dionísio trocou algumas opiniões com o capataz sobre a colheita e o beneficiamento do café da fazenda e depois seguiram conversando outros assuntos.
Passado algum tempo Tião voltou para a sede da fazenda deixando Dionísio e Dolores sozinhos junto à cocheira dos cavalos, pois, tinha percebido que eles tinham coisas para conversar em particular. Chegando lá encontrou Dona Conceição um tanto ansiosa, pois não estava presente no momento em que o rapaz chegara à fazenda. E assim que ele chegou ela foi logo indagando:
— Então o que moço veio fazer?
— Ele veio visitar a fazenda, conhecer o lugar para fazer um planejamento...
— Uai, desde quando nós precisamos de alguém para planejar as coisas para nós?
— Isso faz parte dos planos da cooperativa para aumentar e valorizar mais a produção dos cooperados, isso foi o que explicou...
— Se é assim, tá bom. E a onde eles estão agora?
Como resposta à pergunta da Dona Conceição, eis que chegaram Dolores e Dionísio. Meio desconcertada cumprimentou o rapaz que lhe estendeu a mão se apresentando. A partir dai foi um interrogatório sem fim; queria saber tudo sobre ele. Dolores que ora olhava para a mãe, ora para o Dionísio, tentava disfarçar o incomodo que estava sentindo. Por outro lado, ele estava tranquilo, respondia a mãe dela com certo prazer, pois, parecia entender o que estava acontecendo.
Por fim Dona Conceição convidou Dionísio para experimentar o café da fazenda e as quitandas que ela mesma preparava. Dolores e Tião ficaram aliviados com a mudança de tratamento da matriarca para com ele e sentaram-se à mesa para saborear o farto café.
Depois, a sós, antes de ele ir embora, Dolores pediu desculpas pelo interrogatório da mãe:
— Não se preocupe, a sua mãe faz muito bem em zelar por você...
— Então você a entendeu, né!
— Sim, entendi. Agora vamos falar de nós...
Quando ouviu essa última fala, Dolores estremeceu ficando quase sem palavras:
— De nós?
— Sim, desde o primeiro dia que nos encontramos na cooperativa e depois na cavalgada eu percebi que há uma boa sintonia entre nós, partilhamos de alguns gostos em comum, temos certas afinidades, então eu gostaria de pedir que fôssemos namorados...
Naquele momento Dolores sentiu como se estivesse flutuando em alguma nuvem, que algo dentro dela estava se rompendo e abrindo-se como se fosse luz ou algo semelhante. Passou a mão pelos cabelos louros, respirou e respondeu:
— Sim, eu aceito que sejamos namorados, mas, para sempre...
Dito isso, deu a mão para Dionísio como se estivessem selando aí o compromisso de ficarem juntos, para sempre.
Depois desse dia passaram-se seis meses até que Dolores e Dionísio, com as bênçãos de Dona Conceição e do Padre Victor, se casaram. E pelo que se sabe, até os dias de hoje estão todos muito felizes; têm um belo casal de filhos e todas as tardes cavalgam pela fazenda, namorando... 

Autor: Willes S Geaquinto - Varginha/MG

2 comentários:

Anônimo disse...

Excelente texto, rico em imagens literárias e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.

Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos

Marina Alves disse...

E é ponto para o amor! Dionísio e Dolores, unidos pela letra "D", escrevendo a história do Para Sempre. Parabéns ao autor!