segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

O poeta das rosas

Texto de: Samanta Geraldini
Existe, no mundo, milhões de pessoas apaixonadas. Mas são poucos os homens que amam como Jerônimo.
Este poeta de 30 anos conhece as mais belas palavras, os gestos mais cavalheirescos, os galanteios mais românticos. Ele tem, escondido num pedaço pequeno dentro de si, o mais inflamado e vibrante coração.
E por mais que tenha todas essas qualidades raríssimas, a única mulher que seu coração deseja nada quer de sua pobre existência. O coitado escreve poemas, recita canções, entrega presentes e declara seu amor, mas ela o despreza com toda a intensidade de sua beleza. E ela é tão bela e perfeita!
Cansado de ser ignorado por sua musa inspiradora, pela primeira vez em sua vida, Jerônimo cometeu a insânia de beber até não aguentar mais. Bebeu tudo o que o dono do bar lhe oferecia. E sendo o dono do bar um grande amigo do noivo dessa donzela motivadora de tanto amor e desgosto, não foi pouco o que ele ofereceu. Os primeiros goles desciam amargos e queimavam ainda mais o coração pulsante de paixão. Depois da quinta dose, todos os sentidos pareciam adormecidos e o líquido descia com maior leveza, despreocupado com o perigo de combustão.
Horas se passaram e Jerônimo enchia e esvaziava seu copo. Começou a ficar delirante na terceira hora. Na quarta, permanecia sentado, porque já não era mais possível manter-se sobre os pés sem beijar o chão.
Ao anoitecer, não restava-lhe um mero centavo no bolso e expulsaram-no dali. Chorando e lamentando sua falta de sorte em versos febris, Jerônimo caminhou como pôde até chegar numa praça. Sentou no banco de madeira pintada de branco, retirou seu chapéu e o apertou contra o peito. Depois de tudo, a dor não havia acabado!
“As fibras de meu coração pedem para arrebentar. Será que meus versos estão quebrados? Será que minhas rimas não transbordam como deveriam? Por que o amor é tão amargo para mim?”
As palavras escapavam trocadas de sua boca por meio de soluços, engasgadas e suspiros de dor. Balbuciando coisas que nem mesmo ele conseguiria decifrar, o homem retirou de seu bolso da calça um papel amassado, cheio de rabiscos de um último poema que tentou escrever, mas seu sofrimento não permitiu que fosse concluído.
E nessa situação deplorável, bêbado e chorando, Jerônimo começou a conversar com as flores ao seu redor:
“Minha rosa, minha linda rosa branca! Como tu és linda e pura ao redor dessas outras damas de vermelho. Me concede a mão para uma única dança?”
Embrenhando-se no florido jardim, onde uma única rosa branca brilhava entre as híbridas, foi pisoteando a grama em seus passos tortos e sem direção. Chegando mais perto da flor, continuou a dizer, enquanto abaixava e estendia sua mão:
“Se não quiseres dançar comigo, minha linda rosa, eu não me importarei. Mas fale comigo, eu preciso ouvir o som da tua doce voz.”
A rosa, por falta de boca, não o respondeu.
“Rosa, linda rosa, não se acanhe. Eu te amo!” Arrancou a flor do jardim e levantou-se, seus olhos lacrimejando com lágrimas tão amargas quanto sua dor. “Case comigo, não ouça o que lhe dizem. Eu sou o único que te ama, minha rosa. Mais ninguém saberá te fazer feliz. Case comigo, sim?!”
Beijou a rosa com fervor e segurou-a contra o peito. Assim, tornou a andar, naquela passada perigosa sem rumo algum. Dizia “ao ouvido da flor” o quanto a amava, o quanto seriam felizes. E nessa cena trágica, cômica, mas acima de tudo cruel, Jerônimo chegou à igreja. Um casamento estava acontecendo.
Entrou, ignorando os convidados que apreciavam a cerimônia e o ritmo da música tocada no piano. Caminhou com toda a firmeza que suas pernas moles conseguiam manter, tendo a flor ainda segura contra seu peito, e dessa forma ultrapassou a noiva, esbarrou no noivo, chegou ao altar e começou a gritar:
“Padre, me case logo com minha rosa. Ninguém pode nos impedir disso!”
“Senhor, você está bêbado, veja o que está fazendo! Como quer que eu lhe case com uma flor?”
“Ela é a minha rosa. Minha linda flor branca. Mais ninguém pode casar com ela...”
“Jerônimo?!” Gritou a noiva, correndo para mais perto. “O que faz aqui?”
O homem virou-se para ela e imediatamente derrubou a flor ao chão. Por um instante, toda sua embriaguez se dissolveu e o amor profundo que sentia pela Rosa, a verdadeira Rosa, retornou ferozmente dentro de seu coração. Ele caiu de joelhos, chorando, pedindo perdão. Pedindo que a mulher se casasse com ele.
O noivo, enfurecido, avançou com um ponta pé, o derrubando com a cara no chão. Desesperado, o padre segurou o rapaz, enquanto Rosa erguia a face de Jerônimo. Ela também chorava as mesmas lágrimas amargas de um amor sufocado.
“Case comigo minha Rosa. O amor não floresce no peito infértil. Apenas em jardins vastos e acolhedores. E meu amor por ti é mais florido que os Campos Elíseos. É o mais bonito de todos amores.”
E quando Rosa secou as lágrimas de Jerônimo com o sorriso mais lindo que uma mulher pode dar, a alma do homem sorriu também. E quando ela aproximou os lábios dos seus para beijá-los, despreocupada com erros e acertos, a alma tentou escapar pela boca. E quando, por fim, ela disse sim ao pedido matrimonial, a alma amarga e ébria despertou, ao abrir dos olhos de um bêbado apaixonado a chorar e adormecer de amor no banco da praça.

Nenhum comentário: